Um dia bom de cada vez

Uma conhecida cadeia de mobiliário lançou um vídeo publicitário em que crianças enviam uma carta ao Pai Natal, outra aos pais. A primeira pede brinquedos, a segunda... tempo. Com eles

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Luke MacGregor/Reuters

A luta continua; por entender as vontades do miúdo que cresce em escolaridade e personalidade, por controlar assim a ansiedade de o acompanhar e orientar.

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A luta continua; por entender as vontades do miúdo que cresce em escolaridade e personalidade, por controlar assim a ansiedade de o acompanhar e orientar.

Mas o que querem, então, os mais pequenos?

Uma conhecida cadeia de mobiliário lançou um vídeo publicitário em que crianças enviam uma carta ao Pai Natal, outra aos pais. A primeira pede brinquedos, a segunda... tempo; com eles.

Já sabia; todos sabemos. Mas então...

Há já vários dias vinhas pedindo mais tempo; ou melhor, mais exclusivo. Porque, à semana, na pressão do fim de tarde, de aprendizagem dura do primeiro ano de escolaridade, temo-nos sempre com a tua irmã; tentei.

Mas entro em pânico: o que fazer? Onde estão todas aquelas actividades que planeamos para os miúdos, quando precisamos delas? Dez minutos volvidos dentro do carro a tentar encontrar um objectivo, desisto. Seguimos para a beira-mar. Com a desculpa de ir ao café – que transformas na tosta mista pouco habitual – seguimos, sem grande destino, desfrutando do caminho.

E que grande caminho nos surgiu; a liberdade do não-destino desfraldou uma actividade que era, só, tudo o que querias: estar.

Contaste-me, orgulhoso, que já sabias as contas de menos. Perguntei seis menos quatro; riste-te com dois. Retorquiste com trinta menos três, que já brincas com as dezenas; perguntei-te então se sabias e tu, fácil, é só descer até ao vinte sete. Ataquei com quatro menos cinco; hesitaste, mas menos um.

Que o elevador de casa dá sempre tanto jeito...

Aproveitei; saberias as contas de vezes? Sabes dois vezes dois quatro; mas não o processo. Partilhámos o grafismo das caixinhas que se amontoam para permitir multiplicar. Arrisquei ainda o grafismo das linhas cruzadas; riste-te, de novo, feliz.

Finda a tosta e a água – que não foste de sumo – saímos para o breu das seis e meia. O mar e a areia molhada a distância segura permitem a alegria de umas corridas, umas caçadinhas, umas brincadeiras de sombras nos focos de luz, sempre banhadas com sorrisos; mútuos.

Há vários dias não te sentia tão livre, e feliz.

E a chuva? Não estamos no Outono?

Falei-te então do soldado Martinho e da sua lenda, que é daquelas que, tendo sido adaptadas de tempos politeístas para monoteístas, mais serve o ateísmo pela descrição de partilha, humanista. Que a lógica nunca pode ser dares tudo o que tens, mas que muito menos poderás julgar que alguém não mereça. Martinho mostrou o caminho, no corte simétrico que aos dois resultou.

E é esse o efeito relevante que se apresenta, paradoxalmente, na lenda como causa: o foco é menos a esotérica meteorologia, antes o corte da capa protectora. Aprendi assim, também, a força da lenda; não é só o conteúdo, mas o impacto de ta contar.

Antes que voltássemos ao carro, pediste ainda que a repetisse; quiseste sabê-la em condições. Sorrio, naturalmente, saboreando o odor das castanhas assadas que, por ora, não te chamam.

Por fim, entro no carro, aliviado; apaixonado. Disseste: que fixe!

Acredito que te venhas a lembrar deste dia. Afinal de contas, foi um dia bom.