Duzentos mil milhões de emails por dia

Numa semana, foram cerca de 1600 mensagens, das quais mil não eram bem-vindas.

Havia comunicados de imprensa, anúncios de coisas fantasticamente fantásticas, alertas das redes sociais. Tudo o que há de mais prescindível logo após o pequeno almoço. O primeiro encargo laboral do dia é apagar esse lixo todo. Mas desta vez, deixei como estava, em favor da produtividade no trabalho.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Havia comunicados de imprensa, anúncios de coisas fantasticamente fantásticas, alertas das redes sociais. Tudo o que há de mais prescindível logo após o pequeno almoço. O primeiro encargo laboral do dia é apagar esse lixo todo. Mas desta vez, deixei como estava, em favor da produtividade no trabalho.

No dia seguinte, com a caixa do correio novamente inundada, decidi iniciar uma experiência. Coleccionei todos os emails durante uma semana e tabulei tudo numa planilha Excel. Lá se foi a produtividade no trabalho, mas pelo menos fiquei a conhecer melhor o inimigo.

Numericamente, é um exército expressivo. Em média, entraram 281 mensagens por dia na minha conta durante a semana e 87 no fim-de-semana. Ou seja, um terço do pelotão não descansa aos sábados e domingos. O ataque é mais forte no princípio da semana, com pico à terça-feira (332 emails). A partir daí é a descer, com as tropas já extenuadas e os generais a pensar no happy-hour da sexta-feira.

Apenas três em cada dez mensagens têm realmente a ver comigo. Provêm do trabalho, são de amigos ou referem-se a instituições que sigo ou serviços que solicitei.

A tralha mesmo está concentrada em 61% das mensagens. Muitas são comunicados das mais variadas instituições que, após desvendarem a minha profissão, julgaram razoável me atormentar. Se querem um conselho, prestem mais atenção aos títulos. Naquela semana, fui informado de que o CCISP participou num encontro na Polónia, que o HGO candidatou-se a centro de referência e que a ASPEA lançou o projecto CURTMAR. Também recebi as newsletters da APLOP e do GCCT e o boletim da EAW. Só nestes acrónimos, temos 58% do alfabeto. É pena não saber o que significam.

Saídas para a crise abundam na minha amostra. Há convites para formação de professores, acesso a bolsas de estágio e cursos de revenda de roupas importadas. Dizem-me que ganhei duas semanas de inglês e propõem-me ainda que “treine a mente”. Se calhar queriam dizer “treinamento” e alguém transcreveu mal.

Nessa análise, dei-me conta de que perdi eventos imperdíveis, como o Outono inoxidável,  a iniciativa “Eu vou” e as festas de Verão de Sobral de Monte Agraço. Mas ainda vou a tempo de aproveitar as ofertas de uma limpeza dentária e de crisântemos comestíveis – não sei em que ordem. Ou então aquela que não diz o que é, mas custa apenas 90 cêntimos por dia. Irresistível.

Confesso que algumas mensagens aguçaram-me a curiosidade, como o “aviso de feriado religioso”, o “regresso às aulas…leve uma grátis” ou ainda um email assinado por alguém de apelido glúteo, a senhora Bottoms.

Numa semana, foram cerca de 1600 mensagens, das quais mil não eram bem-vindas. Extrapoladas para os cerca de 205 mil milhões de emails enviados por dia no mundo, temos 125 mil milhões de candidatos ao caixote do lixo. É isto a poluição digital, recém ingressa no vocabulário da socio-ecologia e que não tarda será legislada por Bruxelas.

O derradeiro resultado da minha investigação foi tudo menos intelectual: fiquei com a conta de email entupida e tive de me livrar dos objectos de estudo. Ponto final na minha carreira de cientista.