Benditos sustos

Que vamos todos morrer é uma certeza. Mas o que é que esse facto chato tem que ver com a vida?

A Sara e a Tristana, as minhas cada vez mais amadas filhas, nasceram muito prematuras em Manchester, em 1981.

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A Sara e a Tristana, as minhas cada vez mais amadas filhas, nasceram muito prematuras em Manchester, em 1981.

Como só tinham 26 semanas de idade, 650 gramas de peso e 30 centímetros de comprimento, as enfermeiras da unidade de prematuras do North Manchester General Hospital disseram-me que iam deixá-las 24 horas sem incubadora para ver se sobreviviam.

Enlouqueci; ajoelhei-me; chorei. De nada me serviu. Passei cada hora dessas 24 horas ao lado delas. Não morreram. Viveram. Eu, sim, ia morrendo. Mal sobreviveram puseram-nas nas incubadoras que, durante três meses, salvaram as vidas delas.

Com ambos os meus pais e muitos outros amigos já mortos lembro-me sempre dos sustos — esses avisos malditos que tentaram preparar-me, mas nunca conseguiram. Avisaram-me, mas eu assustei-me, estupidamente, sem prestar atenção.

Também a Maria João e eu tivemos os mais terríveis sustos e, apesar de termos sobrevivido, vivemos cada vez mais assustados.

A preparação, afinal, é como uma daquelas banalidades segundo a qual "ninguém vive para sempre". Não ensina nada. Não nos prepara para coisa nenhuma.

Que vamos todos morrer é uma certeza. Mas o que é que esse facto chato tem que ver com a vida?

Tem tudo e não tem nada. Avisados e assustados ficamos mais prontos para a pouca grandeza do que resta: a vida.