Júlia Pereira: “Nunca deixei de ser discriminada e o medo acompanha-me”

É a primeira dirigente transexual de um partido e integra as listas do BE em 8º lugar em Setúbal.

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Júlia Pereira é a primeira dirigente transexual de um partido e integra as listas do BE em 8.º lugar em Setúbal Rui Gaudêncio

Foi uma “longa luta” aquela que Júlia travou para garantir que o seu género era visto e respeitado. Sempre se projectou como mulher e cedo decidiu enfrentar as consequências de o assumir — um “acto de coragem” pelo qual, ainda hoje, não passa incólume. “Nunca deixei de me sentir discriminada e o medo acompanha-me diariamente”, confessou ao PÚBLICO a jovem de 25 anos. Foi a busca de um apoio político nesta causa que, em 2010, a levou a juntar-se ao Bloco, numa altura em que o partido estava a apresentar a proposta da lei de identidade de género.

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Foi uma “longa luta” aquela que Júlia travou para garantir que o seu género era visto e respeitado. Sempre se projectou como mulher e cedo decidiu enfrentar as consequências de o assumir — um “acto de coragem” pelo qual, ainda hoje, não passa incólume. “Nunca deixei de me sentir discriminada e o medo acompanha-me diariamente”, confessou ao PÚBLICO a jovem de 25 anos. Foi a busca de um apoio político nesta causa que, em 2010, a levou a juntar-se ao Bloco, numa altura em que o partido estava a apresentar a proposta da lei de identidade de género.

Um grande salto qualitativo foi dado naquele ano de 2011: a lei número 7 cumpriu as directrizes internacionais e desburocratizou um processo que era demasiado longo e doloroso para quem o vivia. Mas, quatro anos volvidos, as normas internacionais mudaram e Portugal ficou para trás: por cá, ainda é exigido um diagnóstico de perturbação mental para que as pessoas trans vejam reconhecidos os seus direitos, uma exigência que Júlia considera “atentatória dos direitos humanos” dos transexuais.

Para a bloquista, “o procedimento devia ser baseado exclusivamente na autodeterminação”, como já acontece em países como a Argentina, Malta, Irlanda ou Dinamarca. Em vez disso, há em Portugal “um policiamento de género” e um processo clínico — que se prolonga por um mínimo de dois anos — obrigatoriamente avalizado pela Ordem dos Médicos: “É uma regra que mais nenhum país que conheça tem.”

Mesmo assumindo o número oito nas listas de Setúbal, longe de um lugar elegível (o BE tem, neste momento, apenas um deputado por aquele distrito), Júlia acredita ter uma palavra a dizer: como membro da mesa nacional do partido, envolveu-se activamente na elaboração do programa nas questões trans e nas áreas de justiça e igualdade. Um dia, gostava de imitar o feito de Anna Grodzka na Polónia — que, em 2011, se tornou a primeira deputada transexual da história da política europeia — e ter assento parlamentar. Mas, até lá, muito pode ser feito. Prioridades? A eliminação do diagnóstico de saúde mental e garantia de igualdade no acesso a serviços de saúde”, responde a também co-directora da Acção pela Identidade.

A diferença foi um problema em vários momentos da vida de Júlia. Inclusive na hora de procurar emprego: “Antes de me dedicar ao mestrado em Estudos Brasileiros que estou agora a tirar, passei mais de um ano a tentar encontrar trabalho e não consegui.” E este não foi um caso isolado: “A taxa de desemprego é elevadíssima entre a população trans.” É por casos discriminatórios como o de Júlia que muita gente não tem coragem de iniciar o processo clínico — e há mesmo quem o decida reverter depois de o ter concluído. É também por essas situações que a candidata quer lutar. "Ser visível é também ter mais medo. Mas se for inspirador para alguém, vale a pena.” (mais em p3.publico.pt)