A ratazana

Sempre houve quem considerasse as suas ideias mais importantes que a realidade.

Também sempre houve quem pensasse que o discurso não tem de corresponder ao pensamento. Embora seja um erro, desde a mais alta antiguidade que políticos e sofistas aplicam com entusiamo este princípio. À falta de correspondência entre palavra e pensamento, chama-se, com toda a simplicidade, mentira. Daí a fama que os políticos têm de serem sofistas, não no sentido de seguirem uma determinada corrente de pensamento filosófico, mas com os outros significados consignados pelo dicionário ao termo. A propensão para enganar o próximo é usualmente atribuída a uma patologia da vontade.

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Também sempre houve quem pensasse que o discurso não tem de corresponder ao pensamento. Embora seja um erro, desde a mais alta antiguidade que políticos e sofistas aplicam com entusiamo este princípio. À falta de correspondência entre palavra e pensamento, chama-se, com toda a simplicidade, mentira. Daí a fama que os políticos têm de serem sofistas, não no sentido de seguirem uma determinada corrente de pensamento filosófico, mas com os outros significados consignados pelo dicionário ao termo. A propensão para enganar o próximo é usualmente atribuída a uma patologia da vontade.

No entanto existe ainda outra perversão que junta em si uma imperfeição na razão com um defeito na vontade: a tentativa de alterar a realidade através da alteração da semântica. Quem aplica este truque crê que pode alterar a realidade mudando o significado da palavra que a descreve ou chamando-lhe outra coisa. Não como a bruxa que acredita que consegue transformar um príncipe numa ratazana dizendo “abracadabra”, mas como o legislador, sociólogo ou economista que acredita que consegue transformar um príncipe numa ratazana se chamar ratazana ao príncipe; ou se definir príncipe como “fémea de pequeno mamífero roedor da família dos murídeos”.

Esta perversão sempre foi apanágio das quintas dos porcos orwellianas. No entanto, aos poucos tem vindo a infetar até as democracias. Conta-se que, já no séc. XIX, Abraham Lincoln (1809-1865) achou necessário perguntar num julgamento: “Quantas pernas tinha o cavalo?” “Quatro”, respondeu a testemunha. Inquiriu Lincoln: “E se chamássemos perna à cauda, quantas pernas tinha o cavalo?” “Cinco”, acedeu facilmente a outra. “Não,” bradou Lincoln, “chamar perna à cauda não faz da cauda uma perna.” Quando achar que uma palavra está a ser usada sistematicamente de um modo estranho confie no seu instinto: será menos um lapso do orador do que o orador a tentar transformar um príncipe numa ratazana. Mas para salvar o príncipe basta que não lhe chamemos ratazana.

Professor de Finanças, AESE