Mourinho, “os treinadores e os ‘destreinadores’”

Reviu amigos e deu uma pequena palestra. Técnico do Chelsea esteve em Portugal para apresentar uma pós-graduação que ajudou a conceber.

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Mourinho regressou à faculdade e reviu amigos Ina Fassbender/Reuters (arquivo)

“Há dez ou 15 anos, começou a definir-se um novo papel do treinador. Começou a dizer-se que o treinador era um gestor de recursos humanos. Isso ficou como uma verdade absoluta. Já concordei mas agora discordo”, disse Mourinho, perante a plateia que enchia o ginásio da FMH, em Oeiras.

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“Há dez ou 15 anos, começou a definir-se um novo papel do treinador. Começou a dizer-se que o treinador era um gestor de recursos humanos. Isso ficou como uma verdade absoluta. Já concordei mas agora discordo”, disse Mourinho, perante a plateia que enchia o ginásio da FMH, em Oeiras.

Lembrando que já passou “quase mil jogos sentado no banco”, que tem “milhares de horas” de treino e que passa muitas noites sem dormir a pensar no futebol, Mourinho apresentou então a sua tese: “O treinador, antes de ser um gestor de recursos humanos, é um gestor dos seus próprios conhecimentos. É preciso ter a capacidade de usar a bagagem de conhecimentos no momento certo.”

Mesmo de férias, o treinador de Setúbal continua com os dotes de oratória de sempre. “Que tipo de treinadores há? Costumo dizer, de forma sarcástica, que há os treinadores e os ‘destreinadores’”, disse Mourinho, gerando sorrisos na plateia.

“Os treinadores são os que melhoram os seus jogadores e as suas equipas. Os ‘destreinadores’ são os que pioram os seus jogadores e as suas equipas”, acrescentou o técnico, para quem “os ‘destreinadores’ têm conhecimentos, às vezes até de mais”: “Não sabem é gerir os seus conhecimentos”, explicou Mourinho, falando da importância de saber muito e em muitas áreas, mas sublinhando que há momentos em que esses conhecimentos não “servem de nada”.

A pequena palestra de Mourinho serviu de aperitivo para a pós-graduação em treino de alto rendimento que o treinador do Chelsea ajudou a conceber e da qual será um dos professores, como o PÚBLICO já avançou. As aulas começarão em Janeiro de 2016 e haverá apenas 30 vagas. “Se não fosse preciso ir muitas vezes às aulas, eu inscrevia-me”, brincou Mourinho, antes de referir a sua sede de conhecimento: “Sinto que tenho sempre alguma coisa a aprender. Nunca sabemos de mais.”

Destacando que o “aspecto mental é fundamental” no seu trabalho, Mourinho alertou ainda para a necessidade de um treinador fazer uma “reflexão diária e permanente”. “O nosso processo é imprevisível. Temos de ter capacidade de adaptação”, acrescentou, antes de deixar um conselho para os outros professores do curso. “É fundamental não só passar o conhecimento, mas também ajudar [os alunos] a analisar, a pensar e a discordar.”

Os amigos de outros tempos
O regresso de Mourinho à faculdade foi uma manhã diferente para a faculdade e para o treinador. Para a faculdade, porque os corredores se encheram de gente e de câmaras. A entrada de Mourinho parecia uma procissão, com o treinador rodeado de seguranças e de jornalistas. Naqueles metros de percurso entre o hall de entrada e o ginásio onde decorreu a apresentação, o treinador apenas foi dizendo aos jornalistas que não ficou surpreendido com a transferência de Jorge Jesus para o Sporting (“para mim é tudo normal”) e que este ano não vai contratar nenhum jogador em Portugal.

Chegado ao ginásio, Mourinho mostrou que também para ele a manhã era diferente. Por momentos, notou-se-lhe um nervosismo pouco habitual na voz. E as palavras que proferiu só o confirmaram. “O futebol deu-me tantas coisas, mas também me tirou algumas, como a possibilidade de estar mais perto de amigos de toda a vida”, disse o treinador, que já antes se havia levantado para cumprimentar um desses amigos.

No início da sua intervenção, Mourinho citou os nomes de alguns desses amigos dos tempos de faculdade (José Toureiro, Rui Carmo, Tozé “Biqueiradas” ou António Veloso), arrancando gargalhadas à plateia, ao lembrar os amigos que só chutavam de “bico”, os que se perderam nas aventuras das noites holandesas ou o que dizia que se deslocava sempre para o sítio certo, mas que os outros jogadores é que não o entendiam.

“A razão pela qual aceitei este convite [para ajudar a elaborar o curso e ser um dos professores] foi porque vos quero homenagear. Há uma qualidade que o futebol não me conseguiu tirar – e às vezes o futebol tira qualidades às pessoas – que é não me ter deixado ‘endeusar’ e não me esquecer de quem não merece ser esquecido”, disse Mourinho, num tom de homenagem: “Os formadores são merecedores de respeito especial. Formar é dedicar uma vida à investigação e à pesquisa, é nobre.”

Rui do Carmo, um dos amigos que Mourinho referiu, disse ao PÚBLICO que esta referência “só mostra a grandeza dele”: “Em Portugal temos é de elogiar pessoas como ele”, disse o antigo colega de faculdade de Mourinho, que agora dá aulas numa escola de futebol.

E será que Rui e os outros colegas imaginavam que Mourinho um dia tivesse o estatuto de “melhor do mundo”?: “Imaginava que ele fosse longe porque tinha uma grande capacidade de liderança e uma enorme paixão por esta área”, diz Rui Carmo, mais assertivo do que outro dos homenageados por Mourinho. “A área onde ele é referência a nível mundial é um nicho que estudantes daquela idade tinham dificuldades em imaginar”, disse ao PÚBLICO José Toureiro, outro dos amigos desses tempos de faculdade, que sempre notou em Mourinho um especial jeito “na maneira de pensar, de enfrentar os problemas e na capacidade de inovar”.

Toureiro vivia na margem Sul do Tejo, tal como Mourinho. Um no Barreiro e outro em Setúbal. Iam muitas vezes juntos para Lisboa e o agora professor de Educação Física não ficou nada surpreendido por, quase 30 anos depois, o milionário Mourinho não perder a oportunidade de falar dos amigos dos tempos da faculdade. “O Zé é um altruísta, é uma boa pessoa”, disse ao PÚBLICO José Toureiro, poucos minutos antes de ele e Rui Carmo saírem da faculdade dentro do carro de Mourinho. Certamente para recordar os velhos tempos.