Mad Max eleitoral

Jonathan Taplin escreveu na página medium.com, na passada semana, um texto intitulado "Mad Max Fury: o sentido perdido de revolução". O texto de Taplin, a par de exemplos retirados da campanha eleitoral espanhola para as eleições de dia 24 de Maio, podem estar a dizer-nos que aquilo que realmente conta para os cidadãos está hoje mais explícito nas séries e filmes norte-americanos do que nas notícias de política na imprensa ou telejornais.

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Jonathan Taplin escreveu na página medium.com, na passada semana, um texto intitulado "Mad Max Fury: o sentido perdido de revolução". O texto de Taplin, a par de exemplos retirados da campanha eleitoral espanhola para as eleições de dia 24 de Maio, podem estar a dizer-nos que aquilo que realmente conta para os cidadãos está hoje mais explícito nas séries e filmes norte-americanos do que nas notícias de política na imprensa ou telejornais.

Por exemplo, recentemente, Pablo Iglesias, secretário-geral do Podemos, ofereceu ao Rei de Espanha uma colecção de DVD da série Guerra dos Tronos (e já agora vale a pena ler o livro de Iglesias sobre a série) como forma de crítica política à actuação da monarquia espanhola.

Num comício de campanha em Alicante, no passado dia 16 de Maio, o mesmo Iglesias convidou os presentes a cantarolar a "Marcha Imperial" de a Guerra das Estrelas associando José Maria Aznar, ex-líder do PP, ao imperador maléfico do filme de George Lucas.

É claro que podemos dizer que Iglesias está a fazer humor à sua maneira, mas creio que é mais do que isso. A política é sempre feita da tentativa de encontrar uma linguagem comum entre eleitores e eleitos, política é saber identificar os problemas mas também criar ligações, cumplicidades com os cidadãos eleitores.

Aparentemente, a ficção está hoje a desempenhar esse papel de ligação e criação de cumplicidades entre as gerações abaixo dos 40 e a política. Ou seja, o desgaste dos cidadãos mais novos com a política e os políticos é tão elevada -–veja-se o estudo de Vítor Ferreira sobre os jovens e a política – que é preciso uma outra linguagem para fazer passar a mensagem política.

O fenómeno de utilização da ficção como mensagem política não parece, de todo, um exclusivo da política espanhola, pois pode e deve fazer a sua entrada na nossa política nacional na estrada que nos levará até às próximas legislativas.

O filme Mad Max Fury Road, defende Taplin é, tal como The Hunger Games, um filme onde a ideia central reside em que quando somos confrontados com a tirania e a corrupção, não existem meias medidas. Os heróis dos dois filmes são personagens pragmáticas e sem ilusões sobre a possibilidade de regressar a um qualquer "bom velho sistema".

Tal como os personagens de Mad Max, também os portugueses sabem que, simplesmente, já não é possível regressar aos bons velhos tempos e que o futuro não encerra um qualquer paraíso.

Os cidadãos intuem, cada vez mais, que a esperança se constrói com todos, com os sonhos de todos, com lideranças que defendam os mais frágeis, mas sem as ilusões propagadas por diferentes personagens políticos.

Como Taplin afirma, a estrada para a justiça e igualdade não se percorre recorrendo a um qualquer software pronto para ser instalado nos nossos telefones ou, acrescentaria eu, a uma qualquer legislação pré-feita e pronta para entrar em acção logo que haja um governo eleito, mas sim recorrendo a lutas.

Lutas políticas que não têm, como no Mad Max Fury Road, de ser violentas, nem colocar todos contra todos, mas que têm de opor claramente visões e desejos diferentes.

A pergunta certa é que lutas são essas, por quem e pelo quê?

Em primeiro lugar por quem, por Portugal, que é o mesmo que dizer por todos aqueles que escolheram viver neste país ou que nele nasceram. Ou seja, pela sua vontade e por afirmar que vale a pena lutar para que as escolhas dos que habitam em Portugal valham, pelo menos, tanto quanto as escolhas que outros nos queiram, eventualmente, ditar.

Em segundo lugar pelas oportunidades. Não por novas oportunidades ou por velhas oportunidades, mas sim por oportunidades para todos. Seja por causa das percepções de corrupção, seja pela desigualdade na concentração de riqueza, seja pela falta de emprego, não vivemos hoje num país de oportunidades para todos e essa é uma luta que vale a pena comprar.

Em terceiro lugar pela inovação que conduz a mais liberdade. Pela inovação nos valores da sociedade, pela inovação das nossas rotinas, pela inovação desburocratizante, pela inovação na forma de pensar e agir na dimensão pública, pela inovação de métodos de trabalho na saúde, pela inovação temática na educação, pela inovação nas empresas e pela inovação nos impostos, tudo fazendo para que deixemos de viver no passado e antecipemos o futuro. 

Em quarto lugar pela democracia: 41 de democracia correspondem a 41 anos de aprendizagem política e devem traduzir-se em algo de diferente do que tivemos até agora. Está na altura de mudar as nossas formas de eleição e de representatividade, pois é imperioso introduzir alguma mudança que permita ao sistema democrático não se deixar ultrapassar pela realidade demográfica, social, cultural e económica. Algo tem de mudar bastante para que tudo mude um pouco.

Em quinto lugar pelos direitos e pela justiça. As democracias têm o dever de assegurar o direito à existência e à continuidade das classes médias. Sem classes médias, sem a expectativa de que se continuará a procurar alargar as suas bases, que se protegerá a mobilidade social e que se amparará os que estiverem em dificuldades, não haverá sustentação do desenvolvimento económico e da democracia. Sem protecção social não há direitos e não pode haver justiça. Se houver percepção generalizada de injustiça social nunca haverá um sistema judicial funcional, nunca existirá confiança nem haverá grande futuro.

O pior que nos poderia acontecer na estrada até às legislativas seria uma estrada com uma condução de rotina, apenas com a remota expectativa de podermos, eventualmente, virmos a ser parados pela polícia de trânsito, sabendo sempre que nada aconteceria, pois apenas poderíamos esperar pequenas diferenças na interpretação de um mesmo código da estrada.  

O que nos será oferecido como programa eleitoral dos diferentes partidos nunca nos fará regressar ao tempo de onde viemos, votemos em quem quer que votemos em 2015.

Por isso, é fundamental que todos nos digam para que mudanças fundamentais na situação sócio-económica portuguesa querem o nosso voto, basta isso.

Professor do ISCTE-IUL, em Lisboa, e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH, em Paris