Os porquês de (não) renunciar à nacionalidade portuguesa

Porque carga de água devo eu respeito a uma bandeira que nunca teve respeito por mim?

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Sarah Joy

Uma vez adquirida a nacionalidade britânica, premissa fundamental para o voto (certo) nas eleições da semana passada, as reacções não se fizeram esperar: eu, que sempre defendi e lutei com os outros, pelos outros, oferecendo, de modo gratuito e livre, ajuda a todos quantos almejam ensinar em terras de Sua Majestade, sou agora visto como um traidor à pátria, um lobo com pele de cordeiro cujos dentes são demasiado óbvios, um reles pária de intenções mesquinhas, maléficas e mefistofélicas com o único fito de abandonar o barco à primeira oportunidade.

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Uma vez adquirida a nacionalidade britânica, premissa fundamental para o voto (certo) nas eleições da semana passada, as reacções não se fizeram esperar: eu, que sempre defendi e lutei com os outros, pelos outros, oferecendo, de modo gratuito e livre, ajuda a todos quantos almejam ensinar em terras de Sua Majestade, sou agora visto como um traidor à pátria, um lobo com pele de cordeiro cujos dentes são demasiado óbvios, um reles pária de intenções mesquinhas, maléficas e mefistofélicas com o único fito de abandonar o barco à primeira oportunidade.

Faço neste ponto uma pausa para, sucintamente, dizer o seguinte (como se eu tivesse a nobilíssima obrigação de me justificar diante de quem não hesita em condenar-me): eu não renunciei à nacionalidade portuguesa; ao invés, ganhei dupla nacionalidade. Capiche? "However", não tenho pejo nenhum em dizer como, depois de ter recebido tais mimos, vontade não me falta de renegar a dita cuja. Até porque, depois de me ter visto na triste situação de começar do zero numa terra e numa língua que não são as minhas, fruto de quarenta anos de terra queimada na terra natal mais um sem número de pontapés no cu, portas fechadas e um bilhete só de ida e nunca mais voltes, porque carga de água devo eu respeito a uma bandeira que nunca teve respeito por mim?

Se calhar porque tive o azar, ou a sorte, de nascer feito de areia e feito de praia, numa língua de água e brisa marinha cujo sal me corre nas veias para morrer nos olhos e nas lágrimas de quem nunca se cansou de chegar ao mar. E a este sal não o posso extirpar sem me esvair a mim mesmo: por conseguinte, sou português, nasci, vivi, e hei-de morrer português, independentemente da minha vontade, e independentemente da vossa. Mesmo que, no papel, renuncie à nacionalidade que me deu origem. Ainda estou a pensar.

Mas voltemos à vaca fria: o porquê de adquirir a nacionalidade britânica quando vivemos num tempo de livre circulação de pessoas e bens na União Europeia, porque agora é que é bom e isto nunca vai mudar? Porque o presente governo britânico, de maioria absoluta, pretende levar avante um referendo em dois mil e dezassete cujo resultado pode levar à saída da Europa. Porque este Governo já havia manifestado intenções de exercer este mesmo referendo o ano passado (porque os imigrantes "são um flagelo", como toda a gente sabe, eu não sou excepção e a gente só vem para cá "para mamar os apoios sociais, fazer filhos, ter casa à borla e não pagar nada quando vamos a um hospital". Entre outros).

Porque estas são as notícias veiculadas na imprensa inglesa e porque esta é a cultura instalada e vigente. Porque quando hoje vamos a uma entrevista de emprego somos preteridos em função de quem tem o inglês como língua materna. Porque basta ter os olhos negros para sentirmos na espinha o amargo sabor da agressão racial. Porque hoje há livre circulação de pessoas e bens, mas amanhã fecham-nos as fronteiras. Porque, apesar de ser um traidor à pátria, quando chegar o referendo hão-de contar com o meu NÃO.

Porque num Governo de direita, como imigrantes valemos tanto como a força que temos nos braços. Porque a economia inglesa floresce às custas da mão-de-obra tão barata como desesperada, porque assim é quando vens lá de fora. Porque quanto mais te fecharem as fronteiras, maior o desespero. Porque quando nos faltarem as forças, teremos as carrinhas de deportação à porta. Porque os portugueses não são o povo eleito e, como tal, não serão a excepção, mas a confirmação da regra. Porque estou farto de ouvir dizer que nunca nos toca a nós: até tocar. E já dizia o poema, "Depois prenderam os sindicalistas, mas eu não me incomodei, porque nunca fui sindicalista.(...) Agora levaram-me a mim e, quando percebi, já era tarde."

No fim, adquiri a nacionalidade britânica porque, após seis anos em solo inglês, exerci aquilo ao qual tenho direito: saibam vocês exercer os vossos, e não se preocupem tanto com os outros.