Kevin Spacey, o colosso

O que poucos saberão é que enquanto Spacey entretinha audiências escapistas em comédias de qualidade duvidosa, o mesmo actor inscrevia-se por mérito próprio na longa e prestigiada tradição do teatro britânico

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Mike Blake/Reuters

House of Cards é uma daquelas raras séries que fazem história e reescrevem a actualidade. Diversas são as razões que poderiam ser apresentadas para sustentar este argumento. Todavia, de entre os diversos méritos da série, deve ser destacado o espaço de manobra que foi, finalmente, concedido a Kevin Spacey para se revelar a um público mais vasto.

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House of Cards é uma daquelas raras séries que fazem história e reescrevem a actualidade. Diversas são as razões que poderiam ser apresentadas para sustentar este argumento. Todavia, de entre os diversos méritos da série, deve ser destacado o espaço de manobra que foi, finalmente, concedido a Kevin Spacey para se revelar a um público mais vasto.

O percurso do homem que dá corpo e forma emocional ao complexíssimo Frank Underwood (que só o é devido a uma soberba Robin Wright no contra-campo) é, no entanto, bastante peculiar. Antes da série, Spacey era conhecido pelo grande público por alguns papeis relativamente soltos (L.A. Confidential, American Beauty) e secundários (Se7en, Superman) em filmes com algum destaque e por umas quantas outras inexplicáveis aparições ainda menos memoráveis num rol de películas de baixo orçamento de que nem o mais conhecedor cinéfilo provavelmente terá memoria. A avaliar somente por estas coordenadas, não seria injusto pensar que Spacey poderia ser mais um daqueles actores que aparecem, fazem o que têm fazer e depois, um dia, desaparecem. Todos conseguimos lembrar-nos destes senhores e senhoras, embora não nos recordemos mais dos seus nomes.

O que poucos saberão (e ainda menos terão realmente testemunhado) é que enquanto Spacey entretinha audiências escapistas em comédias de qualidade duvidosa, o mesmo actor inscrevia-se por mérito próprio na longa e prestigiada tradição do teatro britânico. Num mundo cada vez menos dado ao teatro e às artes do espectáculo, uma pequena aldeia resiste hoje e sempre à fúria da maré do tempo: Londres. A sua história é centenária e a sua importância na cultura ocidental ficou instituída desde a era isabelina. Mais recentemente, ao longo do século do cinema, o teatro britânico cedeu à sétima arte os seus dilectos filhos, nomeadamente John Gielgud, Laurence Olivier, Ian Mckellen, Alec Guinness e Ralph Fiennes. O elo comum? Shakespeare, o pilar fundamental do cânone literário ocidental. Com efeito, o autor de Romeu e Julieta, mais do que um elemento de validação, é uma “escola”.

Voltemos de novo a Spacey, o comediante americano que tomou a capital inglesa de assalto. Num primeiro momento, em 2003, o caricato Lex Luthor tornou-se director artístico do renomado teatro Old Vic, no sul de Londres. Aí demonstrou notável eficiência tanto atrás como em cima do palco. Revitalizou o lendário espaço e contribuiu de forma indelével para o ressurgimento contemporâneo da cena teatral londrina. O zénite veio a acontecer em 2011, quando Spacey reinventou a desafiante peça Ricardo III, com uma electrizante e poderosa prestação (Sam Mendes encenou) que mais tarde correu o mundo.

Spacey está de momento de despedida do Old Vic, com a “one-man play” Clarence Darrow e no passado dia 19 de Março ocorreu uma gala, apoiada pelo British Film Institute, dedicada à celebração da sua carreira. Chamem-lhe idolatria, se quiserem, mas Spacey será provavelmente o mais interessante actor vivo de língua inglesa.