Sou muito bom

O maior de todos os desafios é aprender a aprender. É saber aprender com todos, todos os dias. É evoluir com as ideias da empregada da limpeza, é ouvir o taxista, escutar a porteira, respeitar a voz do mendigo como se fosse um professor

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Queremos ser sempre bons e melhores. Admirados e amados. Citados e recordados. Queremos ser mais que bons: queremos ser os melhores.

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Queremos ser sempre bons e melhores. Admirados e amados. Citados e recordados. Queremos ser mais que bons: queremos ser os melhores.

Haverá algum mal em querer ser melhor? É difícil ver uma nesga de escuridão nesse tão objectivo tão nobre, tão nosso, mas há sempre um perigo escondido atrás de cada maravilha inquestionável. Seria pretensioso querer dar lições de vida do alto de uma suposta sapiência que não tenho, mas permito-me a extravagância de sugerir: desconfiem sempre dos consensos fáceis.

O perigo real não está na vontade da melhoria contínua, mas na obsessão de que só o topo da pirâmide serve os nossos interesses, como se sermos melhores equivalesse a sermos os melhores. Essa obsessão pode até ser desejável, se soubermos relativizar as distâncias e satisfazer-nos com cada melhoria, cada evolução. Mas pode igualmente frustrar os que forem incapazes de perceber que não precisamos nem podemos todos de ser "Misses Universo" ou "Cristianos Ronaldos" para ser verdadeiramente felizes e fazer felizes aqueles que amamos.

Para isso basta um muito menos que é muito mais.

Basta saber o que queremos, e lutar sem dar tréguas. Basta fazer o nosso caminho, sem ceder às agendas indesejáveis, sem descurar os nossos. Sem nunca esquecer aqueles que realmente nos querem, que ocupam o inner circle imaginário que construímos à nossa volta e de onde ninguém deveria ter de sair algum dia.

A leitura mais fácil destas afirmações é que ir melhorando basta. Nada mais errado: toda a exigência connosco mesmos é pouca. O maior de todos os perigos é pensarmos que já somos muito bons, que a segurança e o conforto são melhores que os esforços e riscos que cada aprendizagem encerra.

O perigo de perder a inquietude é maior do que o da frustração da derrota, porque se mantém insuperável, mergulhado na penumbra da inconsciência.

Não temos de ter todos a mesma inquietude e vontade de aprender e evoluir, nem temos de manter esse desígnio constante ao longo das várias fases da vida, mas nunca podemos perdê-lo, abandoná-lo. Não podemos ceder, sobretudo porque acharmos que já somos muito bons, que somos os presidentes da nossa rua, os líderes do nosso gang.

Tendemos a pensar que quanto mais sabemos, mais difícil é aprender. Discordo, uma vez mais. O que sabemos continua sempre a ser uma migalha inaudita num mar do que não sabemos, não entendemos. Do que ainda não aprendemos. O que ganhamos com este crescimento é sobretudo a capacidade de interligar conhecimentos e ganhar consciência. Consciência de quanto pouco sabemos, de quanto podemos evoluir.

O maior de todos os desafios é aprender a aprender. É saber aprender com todos, todos os dias. É evoluir com as ideias da empregada da limpeza, é ouvir o taxista, escutar a porteira, espreitar o blogger e respeitar a voz do mendigo como se fosse um professor. Porque é a falta destes professores da vida que nos conduz a esse delírio que é pensar que já somos muito bons quando temos tanto para aprender.