Contestação a prédio em cima da igreja das Caxinas ganha força

Câmara não se compromete com embargo imediato do edifício e avisa que terá ainda de negociar com empreiteiro. Pároco crítica obra “geradora de conflitos”.

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Os pilares do prédio em construção estão, segundo responsáveis paroquiais, a três metros e meio do muro da igreja MARIA JOÃO GALA

Mário Almeida disse que, na sua qualidade de presidente da Assembleia Municipal (AM) — cargo que ocupa desde as últimas eleições autárquicas depois de mais 35 anos na liderança do município —, escreveu a Elisa Ferraz uma carta sobre o assunto e, mesmo sabendo que ela ainda não a tinha recebido — “por ser fim-de-semana”, explicou —, decidiu dar a conhecer o conteúdo aos presentes no debate sobre a matéria, organizado ao final desta tarde pela Associação Cultural Bind’Ó Peixe.

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Mário Almeida disse que, na sua qualidade de presidente da Assembleia Municipal (AM) — cargo que ocupa desde as últimas eleições autárquicas depois de mais 35 anos na liderança do município —, escreveu a Elisa Ferraz uma carta sobre o assunto e, mesmo sabendo que ela ainda não a tinha recebido — “por ser fim-de-semana”, explicou —, decidiu dar a conhecer o conteúdo aos presentes no debate sobre a matéria, organizado ao final desta tarde pela Associação Cultural Bind’Ó Peixe.

O certo é que a autarca não se comprometeu com as propostas do antecessor e, no final, escusou-se até a tecer grandes comentários ao gesto de Mário Almeida — o de ler publicamente a carta, antes de a presidente intervir —, limitando-se a dizer: “Tenho um caminho a trilhar”. Domingos Araújo, padre de Caxinas, sentiu necessidade de, do púlpito do Salão Paroquial, solicitar a Elisa Ferraz e Mário Almeida que “se unam para ajudar a paróquia”.       

Seja como for, para Mário Almeida, além do “embargo imediato com a suspensão dos trabalhos”, a câmara deveria abrir um “processo negocial com o construtor” para sensibilizá-lo a afastar o rés-do-chão e o primeiro piso seis ou sete metros do muro norte da Igreja e para nove metros os restantes pisos superiores, ou seja, o prédio terminaria — no sentido da Igreja — “em forma de escada”. “Se tal processo negocial não produzir os efeitos desejados, sugiro que seja solicitada a Declaração de Utilidade Pública com consequente expropriação da área necessária”, reforçou.

Curiosamente, praticamente toda a tramitação do processo em causa, iniciado em 1993, decorreu na vigência camarária do próprio Mário Almeida. Em 2011 foi aprovado o alvará de loteamento e em 2013, na sua última reunião como presidente, o executivo aprovou a venda do segundo lote de terreno, ao lado da Igreja. A anuência da Assembleia Municipal (2013) e a aprovação do projecto (2014) já caíram no mandato de Elisa Ferraz. 

Mário Almeida garantiu que o “erro” urbanístico não foi detectado pelos sucessivos executivos camarários, pela assembleia municipal, pelos técnicos da edilidade e até pelos residentes, uma vez que o processo de loteamento teve diversas fases de auscultação pública e nunca ninguém protestou. “Cometi um erro, cometemos um erro e só há uma coisa a fazer: corrigi-lo”, sublinhou.

Elisa Ferraz concorda que a situação, contestada pela população e pela Igreja, tem de ser alterada, mas lembrou que o construtor obteve uma licença camarária de forma legal. Ao contrário do desejado por Mário Almeida, Elisa Ferraz não garantiu que irá providenciar o embargo da obra já amanhã porque, antes de mais, tem de aferir da legalidade do acto em si, mas, sobretudo, tem levar em conta que vai ter de se sentar à mesa das negociações com o empreiteiro, se quiser emendar o que a própria câmara aprovou.

No final da sessão, aliás, Elisa Ferraz lembrou que a actividade financeira do município está muito condicionada pelos compromissos inerentes ao PAEL – Programa de Apoio à Economia Local e que será difícil pagar um ressarcimento ao empreiteiro que está a construir um prédio em frente ao mar, numa das zonas mais frequentadas do concelho, com subcave, cave, rés-do-chão (lojas) e quatro pisos. Até agora, nas conversas com o empreiteiro, a presidente apenas conseguiu garantir que uma parte do rés-do-chão será cedida ao espaço público para que possa ter continuidade — por uma espécie de galeria — uma via pedonal a criar junto ao muro de igreja, entre as avenidas do Infante D. Henrique (a poente) e de Carlos Pinto Ferreira (a nascente).

A hipótese de a câmara compensar o empreiteiro é dada como certa pelo PSD, cujo vereador — e cabeça-de-lista nas últimas eleições — Miguel Paiva exortou a presidente a negociar a cedência de outro espaço municipal para que a construção do prédio, tal como está prevista, não suceda. “Preocupa-me, como autarca, não ficar na história como cúmplice de um crime urbanístico destes”, acrescentou.

“Duvidosa legalidade”
O pároco das Caxinas, Domingos Araújo, que até hoje nunca tinha falado sobre o caso “para não perturbar as negociações”, deu conta, com minúcia, dos seus contactos com a câmara municipal, com advogados e com o arcebispo-primaz de Braga, Jorge Ortiga.

“Além da construção de duvidosa legalidade, não tem enquadramento urbanístico razoável. É uma construção que atrofia quase por completo a nossa Igreja. Há uma clara falta de harmonia entre a Igreja e o edifício gigante de 16 metros de altura. A obra é geradora de conflitos”, realçou o sacerdote.

E a possibilidade de a população ser “mobilizada” para formas de contestação não está ainda afastada por Abel Coentrão, presidente da Bind’Ó Peixe e jornalista do PÚBLICO, que, no final da sessão, justificou a iniciativa da associação como mais um passo para reverter uma solução que “não foi urbanística, mas especulativa, já que a câmara procurou maximizar a construção num terreno seu para obter maiores dividendos”.

O dirigente desta associação criada para defender o património material e imaterial de Caxinas e Poça da Barca lembrou que o templo merecia ser rapidamente alvo de um processo de classificação como Imóvel de Interesse Municipal e, entretanto, ser encontrada uma solução para evitar que uma parede com 16 metros tape a marca de identidade da comunidade, muito ligada à pesca.