Cada vez mais e hoje em dia

A razão pela qual estas e outras expressões semelhantes me causam espécie – e espero não ser o único - é porque elas são sintomáticas de uma pobreza de discurso e de pensamento potencialmente perigosa

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Douglas de Jesus Gonçalves/ Flickr

As duas expressões a que dou honras de título desta crónica – não que o mereçam, mas por necessidade - habitam muitas vezes o nosso discurso quotidiano, quais parasitas munidos de ventosas, prontas, sem darmos por isso, a sugar a argumentação racional de qualquer diálogo.

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As duas expressões a que dou honras de título desta crónica – não que o mereçam, mas por necessidade - habitam muitas vezes o nosso discurso quotidiano, quais parasitas munidos de ventosas, prontas, sem darmos por isso, a sugar a argumentação racional de qualquer diálogo.

Esta espécie de parasitismo está cada vez mais presente discurso actual, quer ele seja oral ou escrito, mas com maior prevalência no primeiro, em especial nos telejornais em horário nobre, e no discurso político com laivos mais populistas. Que hoje em dia são quase todos. São tão comuns que ninguém pensa nelas, escondidas à vista de todos. (Tanto mais que encontraram forma de entrar neste parágrafo, sem grande esforço.)

O seu propósito é blindar todo o discurso contra qualquer objecção que possa surgir, seja ela legítima ou não. São também uma forma simples de matar qualquer diálogo mais produtivo pela raiz. Senão vejamos.

A primeira expressão, “cada vez mais” inibe qualquer réplica em contrário. Porquê? Porque cada vez mais… - Isto é, abrimos as hostilidades já com uma constatação, não deixando espaço para a dúvida, ou quaisquer opiniões dissonantes. A não ser, claro uma confrontação verbal mais bélica e aí “ganha” quem conseguir alcançar mais décibeis. O que é o mesmo que dizer que ninguém ganha coisa alguma.

“Hoje em dia” é outra expressão que padece do mesmo problema, é já uma afirmação, uma tomada de posição, uma muralha erguida – com alicerces no presente - que não é facilmente derrubada sem deixar o orgulho ferido de quem a usa. Por exemplo:” - Hoje em dia os jovens não largam os telemóveis.” Mas serão mesmo todos? E em todas as ocasiões? E não haverá aspectos positivos nesta facilidade em assimilar as novas tecnologias? E antes? Não haveria outras distrações? Jogar à bola, à apanhada, ou ao berlinde? Não porque: “Hoje em dia os jovens só pensam em brincar, deviam era estar a aprender um ofício… isso sim! No meu tempo é que era…”

A razão pela qual estas e outras expressões semelhantes me causam espécie – e espero não ser o único - é porque elas são sintomáticas de uma pobreza de discurso e de pensamento potencialmente perigosa, face aos desafios que enfrentamos, enquanto cidadãos e enquanto espécie. Elas são os percursores, os primeiros sintomas, de doenças mais graves, como o populismo, a xenofobia, a avereza, a anti-ciência, o fanatismo, e o desrespeiro pelo próximo e pelo meio ambiente. E não são facilmente erradicadas.

O futuro dos dias que estão para vir reserva-nos novos e complexos desafios – do aquecimento global ao fanatismo religioso, da pobreza à corrupção endémica - desafios esses que não podemos resolver com as receitas do passado. Tenhamos nós o bom senso de não cometer os mesmos erros daqueles que nos precederam.