Voluntariado: a segunda universidade destes estudantes

São quatro histórias de jovens que conciliam o estudo e o voluntariado. Ser voluntário é a oportunidade, dizem, de aprender algo para além do ensino na universidade. 5 de Dezembro é o Dia Internacional do Voluntariado.

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Shelsea Albuquerque, 20 anos

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Shelsea Albuquerque, 20 anos

Instituição O NossoKm2

É num dos corredores da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa que Shelsea Albuquerque conta como concilia o seu curso de Ciência Política e Relações Internacionais e o tempo passado na organização O nosso Km2, onde é voluntária. “Temos 24 horas, acabo por ter tempo para tudo. Tenho é de focar-me nas minhas prioridades e, por exemplo, passar menos tempo na internet”.

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Shelsea Albuquerque Sara Martins

 

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Vander Neves Sara Martins

Nascida em Luanda, com a memória da guerra ainda bastante presente no país, diz que as desigualdades de Angola influenciaram o seu desejo de fazer um pouco mais por quem tem dificuldades: “Parece um pouco ridículo, mas desde pequena que tinha o sonho de um dia construir uma mansão para acomodar todos os sem-abrigos, crianças, mutilados de guerra e ajudá-los a alcançar objectivos de vida”.

 

Shelsea lembra, no entanto, a complexidade presente em qualquer acção de voluntariado, utilizando como exemplo não só a dinâmica do bairro social onde trabalha como também a integração do próprio bairro na sociedade envolvente. A experiência, diz, reforça a sua vontade de trabalhar na área dos Direitos Humanos e realça a sua visão da complexidade do tema e a motiva ainda mais a continuar o voluntariado.

  

Tiago Rocha, 20 anos

G.A.S.-Porto e Juventude Hospitaleira

“No final, quando nos agradecem é uma sensação fantástica de dever cumprido.” Estudante de Engenharia Electrotécnica e de Computadores na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Tiago é bastante claro quanto à razão pela qual faz voluntariado.

 

A aventura começou por mera curiosidade, aos 13 anos, com uma actividade da catequese no Banco Alimentar. Educado numa família católica, admite a influência da religião na opção pelo voluntariado: “Qualquer cidadão, numa sociedade desenvolvida e minimamente organizada, deve zelar por quem tem mais necessidades e dificuldades”. E a generosidade que viu, com “pessoas que tinham no carrinho dez sacos, em que um era para elas e nove para o Banco Alimentar”, marcou-o de tal modo que se tornou presença habitual na distribuição de roupa e comida na Conferência de São Vicente de Paulo.

 

Já no final do secundário, Tiago ingressou naquela que considera a sua experiência com maior carga emocional: a Juventude Hospitaleira. O primeiro fim-de-semana nas Casas de Saúde das Irmãs Hospitaleiras, que recebe pacientes com doenças mentais, foi um “choque”. Mas no bom sentido: “É sempre assustador pensar que vamos ter de lidar com pessoas tão diferentes. Mas resolvi arriscar e foi uma das melhores experiências que já tive”. 

 

Já na faculdade, conseguiu arranjar tempo para o G.A.S.- Porto, um projecto que descobriu em conversa com amigos. Nesta instituição com projectos “dos 8 aos 80”, Tiago viu no trabalho com jovens um “bom desafio” e, actualmente, vai uma vez por semana ao Centro Juvenil da Campanhã apoiar o estudo e organizar outras actividade didácticas. 

 

E como é conciliar esta actividade com a licenciatura? “Numa semana normal ainda me sobra bastante tempo; em semanas de exames é que acabo por ter de abdicar de algumas coisas”. Este é um esforço com vantagens para lá das fronteiras académicas: “Aprendi a valorizar o essencial. Coisas que muitas vezes tomamos como garantidas, como o próprio facto de poder estar a estudar. Acho que, mesmo subtilmente, nem eu tenho noção do quanto me influenciam”.

 

Ana Rita Machado, 19 anos

Giz Azul

 

Foi no ensino secundário que Ana Rita se iniciou no voluntariado, quer com várias participações no Banco Alimentar quer com a transformação de um trabalho livre para a disciplina de Filosofia na organização de um espectáculo cujos lucros reverteram para as vítimas do sismo no Haiti, em 2010, através da AMI. “O tema era livre. Houve pessoas que fizeram [projectos] sobre jogos de computador, por exemplo", explica. "O nosso grupo, em vez de se limitar a fazer um 'power point', decidiu montar um espectáculo”, conta numa conversa por skipe enquanto se prepara para mais uma época de voluntariado no Centro de Actividades Giz Azul, em Santarém.

 

A influência vem da mãe. “O contacto que a minha mãe enquanto enfermeira tem com as pessoas, e o cuidar dos outros, incutiu-me, desde pequena, esses valores. E eu gosto desse contacto com os outros.”

 

Foi com a entrada no curso de Educação Básica na Escola Superior de Educação de Lisboa que Rita viu o útil juntar-se ao agradável, com a valorização das actividades de voluntariado presentes no currículo: “Faço voluntariado porque gosto, mas estou a tentar fazê-lo dentro da minha área de estudo, porque conta para o currículo e para poder entrar num mestrado."

 

Apesar de o voluntariado exigido não ter de ser realizado com crianças, a experiência complementa na medida certa a formação académica: “Ao trabalhar com crianças, que são seres tão particulares, é impossível trabalhar só com base na teoria. O voluntariado fez crescer muito as minhas capacidades profissionais por me obrigar a lidar com situações que de outro modo não lidaria”. 

 

Vander Neves, 24 anos

Festivais e eventos

 

“Vou ser sincero, comecei a fazer voluntariado porque queria ir ao Rock in Rio”. Foi através de um amigo, em 2010, que Vander Neves soube da possibilidade de se inscrever como voluntário naquele festival — uma óptima notícia para quem queria assistir aos concertos, principalmente se ficasse por perto dos palcos da música electrónica, diz este estudante de sociologia do ISCTE: “É uma tenda onde, só por si, as pessoas já vão para fazer a festa.” E onde pôde reparar nos pedidos menos comuns de alguns artistas: “Lembro-me que houve quem pedisse roupa interior e meias para o camarim. Foi a coisa mais estranha que já ouvi um DJ pedir.” Ou repara nos exageros da organização: “Uma coisa que me espantou foi o desperdício de comida e de bebidas. Não tinha noção de que era assim.”

 

Mas o Rock in Rio foi só o primeiro de muitos eventos onde foi voluntário. Desde então, seguiram-se mais duas participações no mesmo evento, uma num concerto dos U2 e outra na limpeza de florestas, organizada pelo Intituto Português do Desporto e Juventude. “Nos últimos três anos, houve um aumento do número de voluntários e do controlo do voluntariado. Não é uma relação profissional, porque continua a ser voluntariado, mas existe menos flexibilidade", comenta. "Somos voluntários e temos os benefícios de voluntários, mas", conclui, "também cada vez mais responsabilidade, geralmente associada aos profissionais da organização”. 

 

Uma responsabilidade que tem de conjugar com a licenciatura — o que, apesar do crescente controlo das organizações, se vai revelando possível já que estas se mostram normalmente flexíveis em relação a horários.