“Serão os fundos comunitários destinados à pobreza desviados para outros fins?”

13.º Encontro de Pessoas em Situação de Pobreza, que esta segunda-feira começou em Bruxelas, discute uso de fundos estruturais.

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Paulo Pimenta

Tem opiniões sobre o novo quadro comunitário de apoio. Maria José Vicente, técnica da Rede Europeia Antipobreza, EAPN na sigla original, reunira-se várias vezes com ela e com as outras duas participantes para preparar cada momento do encontro, este ano dedicado ao financiamento do combate à pobreza e à exclusão.
 
A Estratégia Europa 2020 — o plano da União Europeia para sair da crise e desenvolver um novo modelo de crescimento — atribui aos fundos estruturais um papel concreto no combate à pobreza e à exclusão: tirar 20 milhões de pessoas dessa situação. Os Estados-membros são obrigados a canalizar para aí pelo menos 20% do Fundo Social Europeu, o mais antigo dos fundos estruturais.
 
“Vêm aí novos fundos”, dizia Ana Rafael, em jeito de introdução, no português melodioso que faz parte dela por mais anos que passem desde que saiu do Niassa, em Moçambique, e passou a fazer vida em Setúbal. Chamando a atenção para a rapidez com que os governos socorrem bancos, perguntou: “Serão os fundos comunitários destinados à pobreza desviados para outros fins?”
 
Muitos outros fizeram perguntas, inclusive uma portuguesa residente em França. Estavam 150 delegados de 30 países no segundo andar do edifício da Comissão Europeia, suporte da EAPN na organização deste encontro, que se realiza desde 2001, na senda da Estratégia de Lisboa. E, à sua frente, pela Comissão Europeia, Stefan Olsson, e pelo Conselho da União Europeia, Franca Biondelli, secretária de Estado no Governo italiano, país com a presidência este semestre.
 
Ao lado de Ana Rafael estava Marina Ferreira, com metade da idade, acabadinha de sair da Escola Superior de Educação de Viseu, ainda à procura do primeiro emprego, a olhar para todo o lado com a frescura de quem nunca viu igual. Nunca tinha estado na Bélgica, nunca tinha estado em Bruxelas, nunca tinha estado na Comissão Europeia, nunca tinha participado num evento desta natureza. Não teve grandes oportunidades. Vítima de maus tratos, cedo foi retirada à família.
 
À Marina parecia “muito interessante” trazer aqui pessoas que de outra forma nunca aqui estariam; pô-las a pensar num assunto que parece tão distante delas e que tanto as afecta. Esperava respostas concretas às perguntas que ia ouvindo em diversas línguas e que ia percebendo, com a ajuda da tradução simultânea, via auriculares. “Não respondem às perguntas!”
 
Era só o começo de um programa que se estende até esta quarta-feira. Noutros anos dali saíram contributos para áreas-chave em matéria de desenvolvimento, como o rendimento mínimo adequado, a pobreza infantil, os sem-abrigo, o endividamento das famílias, a associação entre discriminação e pobreza.
 
“É a democracia a funcionar”, anunciara Sérgio Aires, presidente da EAPN, no arranque da cerimónia. “Às vezes, tenho a impressão de que é a única democracia que funciona na UE”, brincara. “É preciso acreditar. Quando a maioria dos cidadãos deixa de acreditar no projecto europeu, começamos a ter problemas.”
 
O momento é decisivo. Há uma nova comissão europeia, um novo Parlamento Europeu, é hora de revisão intercalar da Europa 2020. E os acordos de parceria estão assinados. No entender daquele sociólogo, que em Portugal dirige o Observatório da Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, é “importante” envolver os cidadãos, em particular os que têm experiência directa da pobreza e da exclusão, afinal os “verdadeiros peritos”, nesta nova etapa, a dos projectos concretos.
 
Em Portugal, por exemplo, está decidido que a economia social será transversal a todo o acordo de parceria. Pela primeira vez, o país criou um programa operacional exclusivo para a Inclusão Social e o Emprego — o POISE, que terá uma dotação orçamental um pouco superior a 2071 milhões de euros (e não de 1971 milhões, como se escreveu na edição de segunda-feira). Tudo, segundo fez saber o Ministério da Solidariedade, para promover o emprego, apoiar a mobilidade dos trabalhadores, fomentar a inclusão, combater a pobreza e a discriminação.
 
A delegação portuguesa pensou em dois projectos que gostaria de ver financiados pelos fundos estruturais: uma campanha de desconstrução de estereótipos sobre pessoas que vivem em situação de pobreza e exclusão social, algo que julga constituir um obstáculo à integração; e um programa de saúde oral a populações vulneráveis, para facilitar o acesso ao mercado laboral, a experimentar no distrito de Setúbal.
 
Passou a manhã desta terça-feira a trocar ideias com delegações de outros países. Um dos objectivos do encontro é estimular o intercâmbio, as parcerias. Outro é incentivar os delegados a passar de pessoas com experiência de pobreza e exclusão para activistas, gente com uma palavra a dizer a quem tem poder de decidir, como fizera Ana Rafael logo na sessão de abertura.
 
Portugal preparara uma mensagem para trazer a este encontro, como as outras delegações. Começava assim: “A pobreza impede a liberdade. Sem liberdade não existe cidadania. Sem cidadania não existe democracia.” E terminava assim: “Nós, cidadãos, não queremos só caridade, solidariedade; queremos direitos.”

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Tem opiniões sobre o novo quadro comunitário de apoio. Maria José Vicente, técnica da Rede Europeia Antipobreza, EAPN na sigla original, reunira-se várias vezes com ela e com as outras duas participantes para preparar cada momento do encontro, este ano dedicado ao financiamento do combate à pobreza e à exclusão.
 
A Estratégia Europa 2020 — o plano da União Europeia para sair da crise e desenvolver um novo modelo de crescimento — atribui aos fundos estruturais um papel concreto no combate à pobreza e à exclusão: tirar 20 milhões de pessoas dessa situação. Os Estados-membros são obrigados a canalizar para aí pelo menos 20% do Fundo Social Europeu, o mais antigo dos fundos estruturais.
 
“Vêm aí novos fundos”, dizia Ana Rafael, em jeito de introdução, no português melodioso que faz parte dela por mais anos que passem desde que saiu do Niassa, em Moçambique, e passou a fazer vida em Setúbal. Chamando a atenção para a rapidez com que os governos socorrem bancos, perguntou: “Serão os fundos comunitários destinados à pobreza desviados para outros fins?”
 
Muitos outros fizeram perguntas, inclusive uma portuguesa residente em França. Estavam 150 delegados de 30 países no segundo andar do edifício da Comissão Europeia, suporte da EAPN na organização deste encontro, que se realiza desde 2001, na senda da Estratégia de Lisboa. E, à sua frente, pela Comissão Europeia, Stefan Olsson, e pelo Conselho da União Europeia, Franca Biondelli, secretária de Estado no Governo italiano, país com a presidência este semestre.
 
Ao lado de Ana Rafael estava Marina Ferreira, com metade da idade, acabadinha de sair da Escola Superior de Educação de Viseu, ainda à procura do primeiro emprego, a olhar para todo o lado com a frescura de quem nunca viu igual. Nunca tinha estado na Bélgica, nunca tinha estado em Bruxelas, nunca tinha estado na Comissão Europeia, nunca tinha participado num evento desta natureza. Não teve grandes oportunidades. Vítima de maus tratos, cedo foi retirada à família.
 
À Marina parecia “muito interessante” trazer aqui pessoas que de outra forma nunca aqui estariam; pô-las a pensar num assunto que parece tão distante delas e que tanto as afecta. Esperava respostas concretas às perguntas que ia ouvindo em diversas línguas e que ia percebendo, com a ajuda da tradução simultânea, via auriculares. “Não respondem às perguntas!”
 
Era só o começo de um programa que se estende até esta quarta-feira. Noutros anos dali saíram contributos para áreas-chave em matéria de desenvolvimento, como o rendimento mínimo adequado, a pobreza infantil, os sem-abrigo, o endividamento das famílias, a associação entre discriminação e pobreza.
 
“É a democracia a funcionar”, anunciara Sérgio Aires, presidente da EAPN, no arranque da cerimónia. “Às vezes, tenho a impressão de que é a única democracia que funciona na UE”, brincara. “É preciso acreditar. Quando a maioria dos cidadãos deixa de acreditar no projecto europeu, começamos a ter problemas.”
 
O momento é decisivo. Há uma nova comissão europeia, um novo Parlamento Europeu, é hora de revisão intercalar da Europa 2020. E os acordos de parceria estão assinados. No entender daquele sociólogo, que em Portugal dirige o Observatório da Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, é “importante” envolver os cidadãos, em particular os que têm experiência directa da pobreza e da exclusão, afinal os “verdadeiros peritos”, nesta nova etapa, a dos projectos concretos.
 
Em Portugal, por exemplo, está decidido que a economia social será transversal a todo o acordo de parceria. Pela primeira vez, o país criou um programa operacional exclusivo para a Inclusão Social e o Emprego — o POISE, que terá uma dotação orçamental um pouco superior a 2071 milhões de euros (e não de 1971 milhões, como se escreveu na edição de segunda-feira). Tudo, segundo fez saber o Ministério da Solidariedade, para promover o emprego, apoiar a mobilidade dos trabalhadores, fomentar a inclusão, combater a pobreza e a discriminação.
 
A delegação portuguesa pensou em dois projectos que gostaria de ver financiados pelos fundos estruturais: uma campanha de desconstrução de estereótipos sobre pessoas que vivem em situação de pobreza e exclusão social, algo que julga constituir um obstáculo à integração; e um programa de saúde oral a populações vulneráveis, para facilitar o acesso ao mercado laboral, a experimentar no distrito de Setúbal.
 
Passou a manhã desta terça-feira a trocar ideias com delegações de outros países. Um dos objectivos do encontro é estimular o intercâmbio, as parcerias. Outro é incentivar os delegados a passar de pessoas com experiência de pobreza e exclusão para activistas, gente com uma palavra a dizer a quem tem poder de decidir, como fizera Ana Rafael logo na sessão de abertura.
 
Portugal preparara uma mensagem para trazer a este encontro, como as outras delegações. Começava assim: “A pobreza impede a liberdade. Sem liberdade não existe cidadania. Sem cidadania não existe democracia.” E terminava assim: “Nós, cidadãos, não queremos só caridade, solidariedade; queremos direitos.”

A jornalista viajou a convite da Comissão Europeia