A sustentabilidade no futebol não se adquire. Constrói-se!

O sistema de licenciamento das competições da UEFA exige que os clubes apresentem uma lista de 25 atletas, dos quais oito, no mínimo, devem ter sido formados no país em causa e, destes, pelo menos quatro oriundos das suas escolas. Ao não incluir este último requisito, o regulamento da Liga Portuguesa é bastante mais complacente, o que, sendo sintomático da pouca importância que os clubes atribuem à sua própria formação, reflete uma realidade que não pode deixar de suscitar inquietações a quem tem responsabilidades nesta área.

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O sistema de licenciamento das competições da UEFA exige que os clubes apresentem uma lista de 25 atletas, dos quais oito, no mínimo, devem ter sido formados no país em causa e, destes, pelo menos quatro oriundos das suas escolas. Ao não incluir este último requisito, o regulamento da Liga Portuguesa é bastante mais complacente, o que, sendo sintomático da pouca importância que os clubes atribuem à sua própria formação, reflete uma realidade que não pode deixar de suscitar inquietações a quem tem responsabilidades nesta área.

Em Outubro de 2013, a Liga Zon/Sagres era a quinta liga Europeia que tinha mais estrangeiros em competição (cerca de 52%) e a quarta com menos jogadores formados pelos próprios clubes (cerca de 12%). Acresce que, nessa altura, 69 jogadores que competiam em várias ligas da Europa tinham passado pelos escalões mais jovens de Porto e Benfica, mas apenas três surgiam integrados nos respectivos plantéis principais, que assim figuravam no Top 10 europeu dos clubes mais estrangeirados. Dir-se-ia que os clubes portugueses são ricos e vivem financeiramente desafogados, tal a quantidade de recursos que se dão ao luxo de não aproveitar convenientemente!

Talvez o problema esteja na qualidade da formação em Portugal, mas acontece que o palmarés das selecções jovens não desprestigia um País que compete com outras nações com grande tradição na modalidade e um número de praticantes incomensuravelmente superior. Em 2011, os sub-20 portugueses foram vice-campeões do mundo e, no entanto, não é fácil identificar quem dessa equipa tenha até agora singrado em qualquer dos chamados três grandes. Honrosa excepção é Cedric Soares, mas é difícil aceitar que o lateral do Sporting seja o único com qualidade para ser titular na sua equipa.

Por estranho que pareça, raros são os casos de clubes portugueses que consideram a aposta na formação como um instrumento estratégico para o desenvolvimento de activos que um dia possam ser uma mais-valia nos seus plantéis. Em sentido oposto têm andado os alemães, que, após a desastrosa participação no Europeu de 2000, tiveram a audácia e a paciência de desenvolver uma estratégia desportiva de fundo que tem vindo a produzir os tão desejados resultados. Desde 2001, os clubes alemães já investiram mais de 820 milhões de euros nas Academias, uma aposta centrada na criação de valor desportivo e económico numa lógica de longo-prazo. Em Portugal, não obstante a insistência com que os dirigentes desportivos falam das virtualidades das suas academias, mas cuja prática tem sido absolutamente contrária a esse discurso. Basta ver quantos jogadores formados pelo Benfica foram, nas últimas épocas, apostas regulares do seu treinador principal, o mesmo que diz ter criado uma ciência de treino no futebol.

Em Janeiro 2014, o Sporting apresentou 10 propostas para, segundo anunciava, devolver rigor, verdade e transparência ao futebol português. Lamentavelmente, esse pacote não fazia referência à necessidade de introduzir um sistema de licenciamento equivalente ao Financial Fair Play da UEFA ou algo semelhante ao praticado na Bundesliga, que impõe que os clubes apresentem liquidez positiva e capitais próprios positivos, ao mesmo tempo que exigirá a breve trecho que a análise à sua situação económico-financeira passe a incidir sobre as contas consolidadas.

Se os regulamentos da Liga contemplassem verdadeiramente a vertente financeira no licenciamento, provavelmente não teriam acontecido situações desprestigiantes como as que se têm registado no pequeno mundo do futebol português. A falência da Leira SAD em 2011/12, a proliferação para níveis assustadores dos contratos de parceria na aquisição de jogadores (podem chegar a 36% do total dos direitos económicos), o passivo consolidado dos dois clubes da Segunda Circular a equivaler a 64% do passivo dos 18 clubes da Bundesliga, vários clubes e SADs a aderirem a Planos Especiais de Revitalização, sem esquecer as estruturas de financiamento desequilibradas, só para referir alguns casos. A imposição de critérios financeiros no sistema de licenciamento justifica-se numa perspectiva de economia de mercado e de gestão de uma liga profissional, de modo a evitar decisões de investimento e comportamentos de gestão de elevado risco e a impedir processos que prejudiquem a imagem e a verdade desportiva das competições.

Decididamente, as nortadas de mudança que sopram da economia e da sociedade portuguesa deveriam motivar alterações estruturais no futebol português. Se querem assegurar a sustentabilidade e viabilidade desta indústria no longo-prazo e dotá-la de maior credibilidade, os clubes têm que reformular o sistema de licenciamento das competições nacionais. Ao invés das outras indústrias, o sucesso no futebol não se compra nem tão pouco se faz eliminando a concorrência. É necessário criar mecanismos que promovam a sustentabilidade financeira e capacidade competitiva dos clubes. A formação e o equilíbrio financeiro serão seguramente dois pilares de um projecto desportivo/empresarial de sucesso.

Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEGA), em Lisboa