A presidente da Associação de Professores de Português deve andar muito distraída

A obra da grande escritora que é Sophia não “desaparece do programa”.

Detenhamo-nos sobre os dois pontos acerca dos quais a presidente da APP (que deveria exercer a responsabilidade de pensar bem antes de falar) elege pronunciar-se.

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Detenhamo-nos sobre os dois pontos acerca dos quais a presidente da APP (que deveria exercer a responsabilidade de pensar bem antes de falar) elege pronunciar-se.

1) A presidente da APP “confirma” que a obra de Sophia de Mello Breyner Andresen será estudada apenas até ao 9.º ano, “desaparecendo totalmente das aulas de Português do ensino secundário”.

Isto, pura e simplesmente, não é verdade. A obra da grande escritora que é Sophia não “desaparece do programa”, por duas ordens de razões:

a) Em primeiro lugar, ela já não era objecto de ensino explícito nos anteriores programas do ensino secundário, em vigor desde 2001. A dr.ª Edviges Ferreira anda distraída desde 2001 (e, no entanto, é presidente da associação). Basta comparar os programas anteriores e o que entrará em vigor em 2015 para constatar o que afirmo: é um facto, e os factos não são susceptíveis de serem desacreditados por uma opinião. Acrescentemos ainda: Sophia presentemente surge no 5.º ano (2.º ciclo), no 7.º ano e no 8.º ano (3.º ciclo) de escolaridade como contista – uma extraordinária contista. E surge no 9.º ano como poeta. Mas a presidente da APP continua distraída e diz que a “poetisa” Sophia foi pura e simplesmente eliminada (outra inverdade).

b) Em segundo lugar, Sophia surge explicitamente, com a obra poética Navegações, no novo programa do ensino secundário dentro do Projecto de Leitura, parte integrante e obrigatória do programa. Dir-se-á (sem razão): a poeta não é leitura obrigatória. Responder-se-á (com razão): ela já não era leitura obrigatória desde 2001, podendo eventualmente surgir no conjunto designado como “poesia lírica do século XX”, leccionado no 10.º Ano (mas em que o seu nome não surgia). Nessa altura, não ouvimos a presidente da APP emitir qualquer opinião (mesmo inverdadeira).

2) Mas as declarações continuam, sempre surpreendentes. A presidente da APP passa, então, a “denunciar” que “a poesia desaparece totalmente dos programas do 10.º e do 11.º anos”, sendo objecto de estudo apenas e tão-só no 12.º (que, comenta a jornalista, “mistura clássicos com contemporâneos”!). Nova inverdade, facilmente verificável. Veja-se a seguinte tabela relativa aos conteúdos de poesia no ensino secundário:

 

ENTRA GRÁFICO

 

De novo, a presidente da APP anda mesmo muito distraída, ou tem problemas na leitura do novo programa – que me ofereço para ajudar a esclarecer.

O problema consiste ainda no facto de, perante este conjunto de inverdades, a jornalista em questão não se ter preocupado minimamente em exercer o seu sentido crítico e o direito ao contraditório (neste caso, ouvindo os autores do programa), dando apenas tempo de antena a quem diz inverdades e distorce a realidade, de acordo com aquilo que ela gostaria que a realidade tivesse sido (mas não é). É uma pena que alguém como a presidente da APP pense que representa uma classe que, felizmente para todos nós, é infinitamente superior a ela, e que não confunde, por exemplo, algo de tão básico como factos com opiniões, ainda por cima não sustentadas. É também uma pena que de vez em quando surjam jornalistas que, para poderem “denunciar” algo, escolham renunciar àquilo que é a base de todo o trabalho jornalístico: informar correctamente e sem parcialidade.

Coordenadora da equipa do novo Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Secundário