Carlos Leitão: Um português nas finanças do Quebeque

Natural de Peniche, Carlos Leitão é o novo ministro das Finanças do governo do Quebeque, a segunda maior província do Canadá. Membro do Partido Liberal, que classifica de “centro-centro”, o português diz que quer pôr em dia as finanças desta nação com 8,5 milhões de habitantes, combatendo uma dívida pública que considera excessiva e défices que tendem a tornar-se crónicos. Alguma semelhança com Portugal?

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Assembleia Nacional do Quebeque onde Carlos Leitão vai ter de defender a sua política de finanças Reuters

A importância que atribui ao equilíbrio das contas públicas do Quebeque não é seguida pelos seus opositores, tanto à direita como à esquerda, que lhe criticam essa prioridade. Afinal, o défice desta província com 8,5 milhões de habitantes (um milhão e meio menos do que em Portugal) é de apenas 1% do PIB.

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A importância que atribui ao equilíbrio das contas públicas do Quebeque não é seguida pelos seus opositores, tanto à direita como à esquerda, que lhe criticam essa prioridade. Afinal, o défice desta província com 8,5 milhões de habitantes (um milhão e meio menos do que em Portugal) é de apenas 1% do PIB.

“Mas é estrutural!”, insiste o ministro, que prepara, neste momento, o próximo orçamento para a maior província do Canadá e a segunda mais populosa do país. Um orçamento que terá de defender no parlamento perante as esperadas críticas do Partido Québecois (à esquerda) e da CAQ – Coalition Avenir Québec (à direita). Os próximos dias serão difíceis para o ministro.

Quando, em 1975, o jovem Carlos Leitão, então com 19 anos, aterra com a família (pai, mãe e mais quatro irmãos) em Montreal estava longe de pensar que um dia estaria no epicentro da política canadiana. Natural de Peniche, já tinha corrido algum mundo pois vivera dois anos em Moçambique. Incapazes de prever os ventos da História, os pais tinham partido para Lourenço Marques (hoje Maputo) em 1973, um ano antes do 25 de Abril. Em 1974 já estavam de volta a Peniche. E em 1975 resolveram emigrar para o Canadá.

Carlos Leitão nasceu em 1959, filho de um pai contabilista. Estudou no Externato Atlântico em Peniche e no Liceu de Leiria. Em Lourenço Marques, onde o pai exerceu a mesma profissão que em Portugal, frequenta a faculdade de Economia durante um ano. Quando regressa a Portugal encontra um país “virado do avesso”. Ainda se inscreve no ISCEF (hoje ISEG), mas conta que só conseguiu ir a algumas aulas porque no turbilhão do PREC, em 1975, havia greves quase todos os dias.

Estabilidade académica só voltaria a tê-la na Universidade McGill, em Montreal, onde se matriculou quando chegou ao Canadá. Durante os seis anos que ali estudou, trabalhou sempre em part-time para poder pagar as propinas e manter alguma independência financeira relativamente aos pais.

Conclui a licenciatura em 1980, faz um MBA também na McGill e começa a trabalhar no Banque Royale. Pode dizer-se que começou por baixo. Durante quatro anos trabalhou nos balcões das sucursais de Montreal até que em 1984 surgiu a oportunidade de entrar no Departamento de Economia do banco. Trabalhou em Montreal e Toronto e em 2003 era economista sénior, sendo também o porta-voz do banco para falar à imprensa e responsável pelas relações públicas.

É nesse ano que muda de banco. Mas não de profissão. Carlos Leitão entra directamente como economista-chefe no Banque Laurentienne. É como quadro deste banco que em 2008 é considerado pela Bloomberg News como o segundo melhor economista do mundo ligado à previsão de indicadores económicos.

Em 2013, porém, decide abandonar a carreira de economista e ingressa na política, tornando-se militante do Partido Liberal do Québec.

“Nas minhas funções de economista eu tinha contactos muito próximos com alguns políticos, mas não tinha militância política”, contou ao PÚBLICO. A sua aproximação ao Partido Liberal foi lenta: “comecei por participar em acções de estratégia da plataforma económica do partido e depois convidaram-me para me dedicar a tempo inteiro”.

Em Setembro de 2013 está envolvido na redacção do programa eleitoral do Partido Liberal e já este ano envolve-se activamente na campanha eleitoral. Ganha as eleições em 7 de Abril e no dia 24 é nomeado ministro das Finanças do governo do Quebeque.

 “O sistema federal é bastante descentralizado e os governos provinciais têm uma grande autonomia em termos de políticas fiscal, orçamental, social... Só não têm as relações externas”, explica.

Mas politicamente em que área se situa o partido de Carlos Leitão? “O Partido Liberal é centro-centro. Num contexto europeu seria centro-direita, mas num contexto norte-americano é centro-centro. O Partido Quebecois é social-democrata e está à nossa esquerda e do outro lado está o CAQ que é mais direita. Nós ocupamos o centro e abrimos os braços e empurramos para a direita e para a esquerda”, prossegue, divertido.

A ascensão de um penichense a ministro não escapou à atenção da Assembleia Municipal de Peniche, que se congratulou com o êxito do ilustre filho da terra. E em Montreal? “Os portugueses aqui não são muitos. São só cerca de 50 mil [130 mil em Toronto] e a comunidade não é muito activa nem organizada. Acho que os portugueses de Montreal são um exemplo de integração quase perfeita. A geração dos meus pais é mais activa, a minha menos, e a dos meus filhos ainda menos. Mas mesmo assim, quando fui nomeado ministro, é claro que a comunidade portuguesa considerou que isso foi uma grande honra. Ficaram tão surpreendidos que isso foi quase como um choque eléctrico porque não é habitual um português estar na ribalta da política”.

Carlos Leitão vai a Portugal de longe em longe. Peniche e Algarve (onde a mãe, ainda viva, tem família) são locais de visita obrigatória. Apesar dos 40 anos de Canadá e da dupla nacionalidade, o seu português é fluente. Diz-se trilingue porque fala de igual modo o português, o francês e o inglês. Apesar da Universidade de McGill ficar em Montreal e da província do Quebeque ter como idioma oficial único o francês, as aulas eram dadas em inglês.

Numa província que periodicamente é notícia por reivindicar a independência, Carlos Leitão não alinha com os movimentos que querem a segregação do Quebeque. “Não tenho nenhuma simpatia pelos independentistas porque a federação canadiana é bastante descentralizada e há suficiente espaço para que a nação ‘quebecoise’ - porque existe uma nação ‘quebecoise’! - se desenvolva”.

A realidade portuguesa é outra. “A realidade portuguesa tem sido um pouco triste. O ajustamento tem sido bastante difícil, mas agora que já saiu a troika, vamos ver se conseguimos o acesso aos mercados”, diz, mostrando-se céptico sobre o euro.

“Desde que Portugal entrou na união monetária que muitos economistas anglo-saxónicos diziam que não era apropriada uma moeda única envolvendo países como Portugal e Espanha e que o grande teste a essa união monetária seria uma recessão. E foi isso que aconteceu”.

Carlos Leitão inclui-se no grupo dos economistas que criticou o euro porque “a estrutura económica e as diferenças entre Portugal e a média europeia era demasiado grande para que isto resultasse”. Um outro problema foi “a ausência de uma união fiscal como a que existe em regimes federais como o Canadá e os Estados Unidos”.

Já quanto à austeridade, diz que não havia outro remédio. “Concordo com as medidas de austeridade. Não havia grande alternativa. Foram impostas do exterior. Mas não da forma ideal pois fez-se um esforço exagerado na austeridade sem haver medidas direccionadas para o desenvolvimento económico”.

O resultado foi uma “espiral negativa”, diz o ministro, que critica a ausência de medidas que favorecessem o crescimento.

Apesar de tudo não defende a saída do euro. “Seria como fazer uma omelete e querer voltar a pôr os ovos na casca. Tenho lido opiniões de economistas portugueses que defendem o regresso ao escudo, mas acho que desfazer a união monetária ainda seria um remédio pior”.

Convidado a dizer que figuras públicas portuguesas mais admira, Carlos Leitão escusa-se. “Não estou bem ao corrente”, justifica. Mas tem opinião sobre o seu ex-homólogo Álvaro dos Santos Pereira, que Passos Coelho foi buscar ao Canadá,  à universidade de Vancouver. “Nunca estivemos juntos, mas tenho boa impressão dele. É um bom economista e tinha boas ideias, mas no contexto do programa de ajustamento imposto pela troika era difícil implementá-las”, conclui.