Prova dos factos: A antiga fábrica da Lusalite, em Oeiras, que usava amianto, representa ou não um risco para a saúde pública?

Direcção da Saúde diz não ter dados que permitam confirmar “credibilidade” das conclusões da Inspecção do Ambiente. Em análise, o desfecho do processo de inspecção à velha fábrica que produzia telhas com amianto, hoje abandonada. O caso foi suscitado pelo candidato socialista Marcos Sá à Câmara de Oeiras nas últimas autárquicas

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A fábrica da Lusalite irá abaixo

Foi o candidato socialista à presidência da câmara, Marcos Sá, quem colocou na ordem do dia este assunto, e a eventual existência de um risco para a saúde pública nestas instalações na freguesia da Cruz Quebrada-Dafundo. No mês anterior, em Agosto de 2013, tinha estado em consulta pública o Plano de Pormenor da Margem Direita do Rio Jamor, que prevê a edificação no local de cinco edifícios destinados a habitação, comércio e serviços – um dos quais com 20 pisos -, um hotel e estacionamento.

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Foi o candidato socialista à presidência da câmara, Marcos Sá, quem colocou na ordem do dia este assunto, e a eventual existência de um risco para a saúde pública nestas instalações na freguesia da Cruz Quebrada-Dafundo. No mês anterior, em Agosto de 2013, tinha estado em consulta pública o Plano de Pormenor da Margem Direita do Rio Jamor, que prevê a edificação no local de cinco edifícios destinados a habitação, comércio e serviços – um dos quais com 20 pisos -, um hotel e estacionamento.

No dia da visita de Marcos Sá à antiga fábrica da Lusalite, durante a qual o candidato defendeu a remoção imediata do amianto e o desenvolvimento de estudos sobre os seus impactos, o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, determinou a realização de uma inspecção ao local, com carácter de urgência. Algo que acabou por acontecer a 18 de Setembro, numa acção desenvolvida pela Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), com a participação do Grupo de Intervenção, Participação e Socorro (GIPS) da GNR.

O relatório dessa inspecção não foi tornado público, mas as suas conclusões foram divulgadas pelo Ministério do Ambiente, segundo o qual os resultados obtidos “permitem concluir que não há justificação para classificar esta situação como sendo de emergência ou catástrofe imimente”. A antiga fábrica da Lusalite, fez-se então saber, não representa “riscos graves” para a saúde pública.

Já em Março deste ano o PÚBLICO pediu para consultar esse documento e, no dia e hora indicados para o efeito, lá estava o relatório, que foi entregue em mãos pelo inspector-geral do Ambiente. Numa conversa preliminar, Pedro Duro insistiu na ideia de que a presença de amianto não é, por si só, um factor de risco, já que este apenas se liberta quando os materiais que o contêm se degradam.

“Neste momento as instalações da Lusalite não oferecem nenhum risco à população à volta que seja superior ao risco normal de amianto contido pelas cidades”, frisou Pedro Duro. Ainda assim, o inspector-geral do Ambiente disse perceber “o grande alarme social” em torno deste tema e acrescentou: “se estivesse num edifício com amianto, teria sempre medo do dia em que se partisse uma telha”.

Mas, afinal, foi ou não encontrado amianto na antiga fábrica na Cruz Quebrada-Dafundo? Segundo o relatório da inspecção, verificou-se “a presença de alguns resíduos de telhas de fibrocimento no interior da nave principal das instalações”. “Estes resíduos são considerados perigosos, porém, encontram-se armazenados (e portanto confinados) dentro da referida nave”, acrescenta o documento, no qual nada é dito sobre a sua remoção. O relatório não avança qualquer ordem de grandeza, mas o sub-inspector do Ambiente, Nuno Banza, que participou na inspecção, fala em “três ou quatro telhas caídas dentro da fábrica”.

É ainda referido no documento que, “de acordo com as amostras recolhidas localmente, não foram detectados níveis perigosos de amianto no ar ou no solo”. Mais à frente, lê-se no mesmo relatório, no qual nada é dito sobre o número de amostras, a sua proveniência ou os procedimentos usados para a sua recolha, que “os resultados analíticos obtidos pelo GIPS/GNR não confirmaram a presença de amianto”.

Em declarações ao PÚBLICO, Pedro Duro afirmou que, ao contrário do que se diz no documento, não foram afinal recolhidas amostras do ar. Algo que o inspector-geral do Ambiente desvaloriza, dizendo que se houvesse amianto no ar, ele acabaria por se depositar no solo, do qual foram recolhidas amostras, nas quais “não havia nada”.

Face a isso, aquilo que preocupa a IGAMAOT são as telhas de fibrocimento que ao que tudo indica cobrem os edifícios da antiga fábrica e que, segundo se diz no relatório, têm uma área de 30 mil metros quadrados. “O problema que se coloca a nível de hipótese prende-se com o potencial desgaste dos materiais contendo amianto existentes no local e a possibilidade desse desgaste, por exposição às condições atmosféricas, vir a libertar com o decorrer do tempo partículas de amianto”, diz-se no relatório.

É por isso que Pedro Duro diz que esta situação “não se pode eternizar” e defende que a demolição dos edifícios em causa deve avançar assim que o Plano de Pormenor da Margem Direita do Rio Jamor for aprovado pela Assembleia Municipal de Oeiras, algo que poderá acontecer este mês de Abril. O inspector-geral admite que “daqui a alguns meses” poder-se-á fazer uma nova inspecção, para “perceber se houve alteração das situações de risco”. 

No relatório da inspecção conclui-se que “consideram-se os resultados obtidos suficientemente conclusivos para se considerar que não se justifica o alarme das populações, nem a classificação desta situação como sendo de emergência ou catástrofe iminente”. Diz-se ainda que “as diligências já empreendidas por esta Inspecção-geral poderão ser complementadas com o devido parecer da autoridade de saúde competente”.

Embora a inspecção à antiga fábrica da Lusalite e o relatório da mesma sejam de Setembro de 2013, Pedro Duro diz que só em Fevereiro deste ano promoveu uma reunião com a Direcção-Geral da Saúde (DGS) sobre o assunto. “Creio que estão a analisar se faz sentido fazer um estudo sobre a incidência” de doenças pulmonares, nomeadamente cancro, acrescentou.

Ao contrário do que diz o inspector-geral do Ambiente, o dirigente da DGS responsável por este dossier garante que a IGAMAOT ainda não lhe fez chegar o relatório, classificando ainda como “estranho” o desfasamento temporal entre a referida reunião e a inspecção.

“Nem sei que tipo de amostras foram fazer. Se levaram o equipamento adequado, pessoas credenciadas e se usaram métodos acreditados para fazer as análises”, diz Paulo Viegas, acrescentando que na ausência desses dados, a DGS não pode pronunciar-se sobre a “credibilidade” das conclusões do relatório. 

Quanto às amostras retiradas do solo, o chefe da divisão de saúde ambiental e ocupacional diz que “seria uma grande sorte” que elas tivessem amianto, já que “a existir, ele não se mantém ali”. “Eram precisos procedimentos a montante, que desconfiou que a inspecção não fez”, diz, criticando ainda o facto de não se ter procurado saber qual “o modelo de dispersão atmosférica” naquele local.

Paulo Viegas defende ainda que era “óbvio” que, suspeitando-se da existência de materiais contento amianto, como telhas, “deviam ter retirado amostras desse material”. “Avaliaram o seu estado de degradação? Se está ou não em risco de libertar fibras?”, pergunta este responsável da DGS.

O chefe da divisão de saúde ambiental e ocupacional explica que, em Fevereiro, esta entidade dirigiu ao Delegado Regional de Saúde um ofício sobre este assunto, que ainda não teve resposta. A principal intenção, explica, era perceber se se justificaria desenvolver um estudo sobre a incidência de carcinomas na Cruz Quebrada-Dafundo.

“Nós não somos o perito último do amianto. À DGS cabe dar apoio, fazer normas e recomendações, alertar e perguntar se têm estudos e outras informações. Dizer se isto configura um problema de saúde pública cabe às entidades mais próximas, ao departamento de saúde regional de saúde pública”, acrescenta Paulo Viegas, deixando no ar a ideia de que este não é um caso encerrado.

Em síntese

O risco da fábrica abandonada da Lusalite continua por definir. O relatório da Inspecção-Geral do Ambiente, que recolheu amostras em Setembro passado, concluiu que não havia risco para a saúde pública, mas prometeu levá-lo à Direcção-Geral de Saúde. Ao fim de cinco meses, o Ambiente deu conhecimento do assunto à Saúde. A partir daqui as referências dos responsáveis das respectivas entidades não coincidem. A DGS alega que ainda não recebeu o relatório, faz várias perguntas e espera ainda uma resposta do Delegado regional de Saúde.