As propriedades criativas da dor

Há que aceitar que há relações que não podem dar certo, perdas que são definitivas e reveses de vida. Há que aceitar que vai doer. Há que aceitar que, um dia, já não vai doer tanto

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Andrew Burton/Reuters

Já todos passámos por momentos de dor profunda, de perda, de sentimento de abandono ou de desilusão com tudo e com todos. Já todos tivemos um desgosto amoroso ou perdemos alguém que era o chão para nós. A dor existiu (por vezes fica para sempre) e novas dores virão. Contudo, a diferença entre os “viciados” na dor e os “criativos” da dor é o que fazem com ela, o que deixam que a dor lhes faça.

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Já todos passámos por momentos de dor profunda, de perda, de sentimento de abandono ou de desilusão com tudo e com todos. Já todos tivemos um desgosto amoroso ou perdemos alguém que era o chão para nós. A dor existiu (por vezes fica para sempre) e novas dores virão. Contudo, a diferença entre os “viciados” na dor e os “criativos” da dor é o que fazem com ela, o que deixam que a dor lhes faça.

Os exemplos vêm de todo lado, daquela amiga que num mês perdeu o emprego, o marido e a melhor amiga, até às celebridades, como por exemplo a cantora britânica Adele. Ela tinha 21 anos, passava pelo fim de uma relação que pelos vistos não lhe fazia bem, mas estava devastada. Deve ter caído no pranto e deve ter dado de beber à dor, mas descobriu que a melhor maneira de lidar com essa perda era escrevendo-a e, mais tarde, musicando o que escreveu. O resultado? Um disco extremamente pessoal mas que a catapultou para o patamar de diva da canção.

Outro exemplo será o da genialíssima Frida Khalo. A doença, os abortos, a relação que tinha com Diego Rivera espelhou-a nos seus quadros, que tanto têm de inocentes como de crus, mostrando-a (literalmente) por dentro e por fora. Já a nível nacional a maior expressão da dor sobre a forma de arte será, talvez, o fado. Desta forma cantam-se os desgostos, as trocas de um amor por outro, a perda ou as saudades de quem ou do que já não temos, resultando em melodias belíssimas e que nos transportam para a dor que quem as canta.

Actualmente, outro exemplo que tem reunido cada vez mais admiradores, é o de Manuel Forjaz, doente com cancro há anos que usa como lema “posso morrer de cancro, mas ele nunca me matará”. Neste caso, o Manuel/empreendedor/consultor/empresário/pai/marido Forjaz decidiu contrariar as expectativas e entregar-se à doença só quando tem mesmo que ser, mostrando ser muito mais do que um doente com cancro, coisa que efectivamente é, tal como são todos os doentes (seja qual for a patologia). Quando se lida desta forma com a dor os outros começam a olhar para nós como um exemplo, uns super-homens ou super-mulheres a quem as coisas não doem, mas elas doem, muito, talvez até mais do que aos restantes, só que quem assim é decidiu ser uma espécie de “forcado da sua dor” agarrando-a pelo cornos, vendo quem verga primeiro.

Há quem volte a dançar, há quem escreva, quem reveja os amigos de antigamente e nada disto elimina a dor, simplesmente, a vai destituindo de do lugar que esta ocupa no dia-a-dia. Claro que o apoio e as palavras (ou até mesmo a inexistência delas em prol da presença silenciosa) daqueles que nos querem bem são uma ajuda preciosa para se sair do buraco emocional/físico em que estamos metidos mas para isso precisamos querer sair dele e deixar a dor para trás. Há que aceitar que há relações que não podem dar certo, perdas que são definitivas e reveses de vida. Há que aceitar que vai doer. Há que aceitar que, um dia, já não vai doer tanto. Há que acreditar que um dia já não vai doer.