Direitos, sim, mas no abstracto

O salário para “eles” não é a remuneração justa do trabalho. É o que pagam a contragosto, um favor, quantias que lhes são extorquidas aos lucros, ao cabaz do défice e da dívida. Por isso, os cortam, reduzem sob os mais diversos pretextos, das mais diversas formas. Chama-se crise, austeridade, requalificação.

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O salário para “eles” não é a remuneração justa do trabalho. É o que pagam a contragosto, um favor, quantias que lhes são extorquidas aos lucros, ao cabaz do défice e da dívida. Por isso, os cortam, reduzem sob os mais diversos pretextos, das mais diversas formas. Chama-se crise, austeridade, requalificação.

A reforma não é a remuneração de quem descontou anos sobre anos para viver com dignidade quando o calendário ou a doença já não permitem trabalhar. É caridade do Governo e da Segurança Social. Tesouram-na quando lhes apetece. Chama-se convergência, recalibragem.

As manifestações não são o protesto de descontentamento e desacordo pelas políticas seguidas. São arruaças dos cidadãos que põem em causa a paz social. A deles. Inúteis.

As greves são paralisações do trabalho ditadas por interesses político-partidários ou por nenhuns objectivos. Nunca por interesses laborais ou melhores condições de trabalho. O que os grevistas pretendem são fins-de-semana prolongados. Coisas orquestradas pela oposição, formas de conquista de poder dentro e fora das empresas.

Os “ intelectuais”, com receio da mudança, os opinion makers, com arrogância, estão sempre a favor do direito à greve (“eu sou a favor da greve”).  Como os Governos: “a greve é um direito mas…”. No abstracto. Quando ela se desencadeia, tudo é complicado. Não tem explicação, muito menos justificação. A crise, a austeridade, as dificuldades das empresas, etc. Ponderado é os trabalhadores esperarem. Findo o ajustamento e depois o cautelar, isso sim, será altura de greves.

Greves são as que Lech Valesa liderou em Gdansk, em 1980 e os mineiros na Inglaterra de Margaret Thatcher, em 1984/85. Há o conforto e descanso de movimentos grevistas perdidos na História. Já não contagiam. Essas sim, são greves. Do século passado. Agora os homens do lixo de Lisboa! Isso não. É incómodo, insalubre. E é. A entidade patronal não sabe das condições miseráveis em que trabalham. Fica a saber da relevância social desse labor. Os trabalhadores dos CTT fazem greve porque uma boa empresa foi privatizada. O Estado ficou com uns cêntimos para o défice! A bolsa ficou feliz. Os “investidores tradicionais” (leia-se: especuladores) ganham sempre. O pequeno investidor perde tudo. O Estado não tem nada a ver com correios e telecomunicações. Nem estas são actividades impreteríveis “à satisfação de necessidades sociais”!!!

Greve porquê e para quê? Há por aqui um enorme equívoco.

A crítica entra também no exercício concreto do direito à greve. Claro.       

O que não pode (e aí está o equívoco) é, na prática, reduzir tal direito ao papel. Torná-lo uma abstracção. Definir-lhe os contornos. Apertá-lo. Cortá-lo.

São os trabalhadores quem determina as razões da greve, quando a fazem, que objectivos têm.

Como a greve, o direito ao trabalho digno, o salário justo, as reformas, manifestações, não constituem abstracções. Antes concretos direitos.

Por mais que custe ao Governo e aos que não as digerem.

Procurador-Geral Adjunto