Nelson ia levar um pacote de arroz mas teve um cabaz para calar a fome

Desempregado que se recusa a pagar impostos fez mais uma acção simbólica. Supermercado respondeu com uma oferta.

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Nelson classifica esta iniciativa como um "acto de resistência involuntária" Enric Vives-Rubio

“O Pingo Doce fez mais uma manobra de charme aproveitando uma acção de resistência”, concluiu Rita Neves, uma  desempregada presente nesta acção simbólica de Nelson Arraiolos, o desempregado que em Setembro entregou uma carta ao Presidente da República comunicando que não pagaria mais impostos, por falta de condições financeiras.

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“O Pingo Doce fez mais uma manobra de charme aproveitando uma acção de resistência”, concluiu Rita Neves, uma  desempregada presente nesta acção simbólica de Nelson Arraiolos, o desempregado que em Setembro entregou uma carta ao Presidente da República comunicando que não pagaria mais impostos, por falta de condições financeiras.

À entrada, dizia entrar no supermercado para buscar um quilo de arroz sem pagar, para chamar a atenção, de forma simbólica, para os problemas de fome do país. À saída, a satisfação por ter conseguido transmitir a sua mensagem era indisfarçável.

Foi ao meio-dia que entrou no supermercado, sendo imediatamente recebido pelo gerente de loja, que o aguardava. Conduzido pelos corredores até ao responsável da marca pelas lojas de Lisboa, ouviu palavras de compreensão: “Sabemos que as suas intenções não são roubar e por isso oferecemos-lhe um cabaz de Natal.”

Nelson Arraiolos disse ao PÚBLICO que lhe foi dito que “compreendiam as razões do protesto e do acto”. O cabaz de produtos será oferecido por Nelson a uma família, com dois filhos menores, que está a passar fome. “Não é porque eu não precise, mas porque há pessoas que ainda precisam mais do que eu”, frisou.

Antes da hora marcada para o que o próprio classificou como um “acto de resistência involuntária” acumulavam-se algumas pessoas à porta da loja. Queriam assistir a mais um capítulo desta luta de Nelson, que está desempregado há dois anos e sofre de uma doença degenerativa, a doença de Charcot Marie-Tooth – que se caracteriza por perda progressiva de massa muscular e de sensibilidade ao toque.

Depois da carta entregue em Setembro a Cavaco Silva e de uma viagem de autocarro em Lisboa sem pagar bilhete, esta foi mais uma forma de Nelson chamar a atenção para o desemprego e a pobreza.

À porta, havia quem mostrasse uma camisola alusiva à privatização dos CTT e à situação dos Estaleiros de Viana. O ambiente era de tensão. “Espero compreensão quando entrar, tentarei explicar lá dentro as razões do meu protesto”, dizia Nelson Arraiolos à entrada. “Um acto de coragem e de valentia impressionante”, disse Rita Neves, apoiante do gesto. “Pode acontecer a qualquer um de nós e estou solidária com esta acção. Se todos fizéssemos o mesmo, seria um sinal a dar ao Governo”.

Nelson entrou com um documento explicativo na mão – que não entregou – e saiu com um cabaz. Dizia estar satisfeito, porque o importante era o resultado. “Mesmo que não trouxesse o pacote [de arroz], valeria pelo acto em si”. Deixa uma mensagem para o Governo: “Parem de salvar os bancos e salvem as pessoas.” E fez um apelo aos cidadãos na mesma situação. “Espero que mais gente se junte a esta luta.”

À volta, cá fora, nem todos estavam satisfeitos: “Apelo a todos os desempregados que venham ao Pingo Doce, porque pode ser que a próxima campanha seja a de um cabaz por desempregado”, disse Rita Neves ao PÚBLICO.

Nelson Arraiolos diz sair desta acção com mais força para as que ainda virão: “Tem de haver respeito pela dignidade humana; não havendo, iremos até ao tribunal internacional dos direitos do homem mover uma acção contra o Estado português”.