Deco: “apagamento público” da ASAE “encoraja” fraudes como a do peixe-caracol

Diário de Notícias revelou caso de peixe-caracol vendido em Portugal rotulado como bacalhau. Especialistas acreditam não há risco para a saúde pública. A ASAE está a "analisar" possível fraude.

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Em vez de bacalhau (na foto), o produto continha peixe-caracol Pedro Cunha/Arquivo

A notícia é avançada neste domingo pelo Diário de Notícias, que enviou para análise no laboratório Biopremier nove amostras de diferentes produtos. Entre elas, três refeições pré-cozinhadas de bacalhau com natas das marcas Continente, Pingo Doce e Polegar. Nesta última, não foi detectada “qualquer percentagem” de bacalhau. O que encontrou foi uma espécie de nome científico Liparis, vulgarmente conhecida como peixe-caracol.

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A notícia é avançada neste domingo pelo Diário de Notícias, que enviou para análise no laboratório Biopremier nove amostras de diferentes produtos. Entre elas, três refeições pré-cozinhadas de bacalhau com natas das marcas Continente, Pingo Doce e Polegar. Nesta última, não foi detectada “qualquer percentagem” de bacalhau. O que encontrou foi uma espécie de nome científico Liparis, vulgarmente conhecida como peixe-caracol.

O bacalhau com natas sem bacalhau foi adquirido no Jumbo de Alfragide, por jornalistas do DN. Confrontado pelo mesmo diário antes de publicada a notícia, o Grupo Auchan disse ter retirado “cautelarmente” o produto de venda e anunciou estar “a proceder a averiguações junto do fornecedor para averiguar o que terá originado esta possível irregularidade”.

O secretário-geral da Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, Jorge Morgado, disse ao PÚBLICO que se trata de um caso “preocupante”, que “cria dúvida e insegurança dos consumidores em relação ao controlo de qualidade das empresas”.

Apesar de os especialistas ouvidos pelo DN acreditarem que o peixe-caracol pode ser consumido por humanos sem perigo, Jorge Morgado entende que “é preciso ter a certeza de que esta aparente falsificação não coloca em risco a saúde pública”. E considera que, em qualquer dos casos, o Ministério Público deve intervir.

O peixe-caracol tem um valor inferior ao do bacalhau, o que torna este tipo de práticas lucrativas para as empresas que o fazem. No entanto, a troca de produtos comerciais constitui uma fraude de mercadorias, que pode ser punível com pena de prisão. De resto, o peixe-caracol não consta da lista de espécies cuja comercialização é permitida em Portugal.

“O nosso interesse é também na prevenção deste tipo de situações”, sublinha Jorge Morgado. “A crise e a queda dos lucros podem levar algumas empresas menos criteriosas a enveredar por este tipo de processos”, diz o secretário-geral da DECO, que aponta, no entanto, a actual acção da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) como causa do problema.

“A repetição deste tipo de notícias fragiliza a imagem da própria ASAE. A redução da actividade e o apagamento público da ASAE – que tem sido prática no período de vigência deste Governo – encoraja práticas ilegais, leva a que pessoas sem escrúpulos pensem que o crime compensa.” Morgado defende que “é a visibilidade da ASAE”, que “desmotiva” estas fraudes. “Dá a ideia de que a ASAE se limita agora aos seus compromissos internacionais.”

ASAE está "no terreno"
À Lusa, o presidente da ASAE disse que “os serviços estão a actuar no terreno, a recolher e a analisar informação, para avaliar a situação que foi denunciada”. “Estamos a verificar o que aconteceu e tomaremos as medidas necessárias face às circunstâncias.” Quanto às críticas da Deco, Francisco Lopes diz que a ASAE mantém níveis de operação “suficientes” para garantir a segurança alimentar dos consumidores. “Fazemos análises aos produtos, temos planos de controlo no terreno e sempre que são detectadas estas situações actuamos rapidamente.”

“Estas situações são cíclicas, mas estamos atentos”, afirmou ainda Francisco Lopes. “Se colocarmos em todos os estabelecimentos um inspector a fazer análise, podem continuar a acontecer inconformidades. Isso não significa que a ASAE tenha diminuído a atenção [a estes casos]. Estamos cá para prevenir e para antecipar, mas não podemos ter um técnico em cada sítio, é impossível.”

A embalagem com peixe-caracol estava assinalada com a certificação de produto português, mas Jorge Morgado diz que este pré-cozinhado pode não ter sido preparado em Portugal. “O símbolo de produto português tem lacunas. Quando muito, diz que a empresa é portuguesa – e pouco mais. Resta saber se, por exemplo, não é apenas uma empresa importadora. Foi por isso que a Deco não aderiu à campanha, porque sentimos a fragilidade do processo.”

A troca de produtos alimentares causou uma polémica à escala europeia, em Fevereiro, quando se descobriu que estava a ser vendida carne de cavalo rotulada como carne de vaca em vários países da União Europeia. No início de Março, o Grupo Auchan também foi envolvido no processo, depois de análises laboratoriais pedidas pela Deco terem detectado ADN de cavalo em hambúrgueres e almôndegas vendidas pelo grupo. Estas últimas também eram da marca Polegar.

Notícia actualizada às 18h15: acrescenta declarações do presidente da ASAE