O fim da canção de Miguel Relvas?

Sobre Miguel Relvas a cantar "Grândola Vila Morena", a primeira nota é que ele canta mal. ??Mas Relvas também não sabe a letra, o que já nos deve levantar algumas preocupações

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Enric Vives-Rubio

Miguel Relvas participou, segunda-feira, dia 18 de Fevereiro, num debate do Clube dos Pensadores. Parece polissémica esta constatação e ao poliedro do absurdo não faltam vértices, mas dediquemo-nos apenas à leitura de outro facto.

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Miguel Relvas participou, segunda-feira, dia 18 de Fevereiro, num debate do Clube dos Pensadores. Parece polissémica esta constatação e ao poliedro do absurdo não faltam vértices, mas dediquemo-nos apenas à leitura de outro facto.

??Quando tinham ainda passado poucos minutos do início do debate desta agremiação sofista, que, como qualquer agremiação sofista, não pode dispensar a presença de Relvas, um grupo de cidadãos interrompeu o Ministro com "Grândola Vila Morena". Este, por sua vez, que tem em si a propriedade de conseguir sempre surpreender, decidiu cantar em coro, mas auxiliado por um microfone.

??A primeira nota é que Miguel Relvas canta mal. Muito mal, até. Não podemos deixar de notar esta divergência em relação ao primeiro-ministro que, por sua vez, é um verdadeiro cantor. Prova disso mesmo é a notável reacção à interrupção no Parlamento, na sexta-feira. Quantas pessoas não terão pensado "que boa resposta!" sem perceber sequer que era a normal resposta de um bom cantor...

??Mas Relvas também não sabe a letra, o que já nos deve levantar algumas preocupações. Nem tanto porque o conhecimento de José Afonso, da sua participação no processo democrático, ou do significado de "Grândola Vila Morena" devem fazer parte da cultura contemporânea e do conhecimento da história da democracia, mas principalmente porque nada disto se aprende numa Universidade, nem no Copacabana Palace e reservo as minhas dúvidas que se aprenda com José Dirceu.

??Ao longo dos últimos anos, já criticamos vários ministros mas nunca lhes reconhecemos um défice grave na sua condição de cidadão. Na verdade, há apenas uma razão para não podermos achar que este foi o momento mais decadente da história da democracia, em Portugal: a certeza de que o amanhã nos reserva outra surpresa, neste país adormecido por um Don Bibas, num imenso jogral medieval. ‘’Dom Bibas, que, repotreado na cadeira da rainha, olhava para ele fito, e lhe salmeava em tom soturno, pela solfa do canto gregoriano, bastas injúrias: Fora, parvo aragonês./ Dom bulrão./ Tlão, tlão, tlão!/ Vai tratar de teus amores/ No Aragão.’’ (HERCULANO, 67)

??Os jovens abandonam massivamente o país e não importa para onde, nem como. É um alívio estatístico para os pedantes que não compreendem que esta geração — a mais bem formada de sempre —, que custou dezenas de milhares de euros ao sistema educativo, seria a única garantia de uma inversão decente e de um futuro melhor.

??Citando livre e analogamente o ministro das finanças: Não há paciência, qual destas três palavras ainda não percebeu? Entretanto, serão muitas as "Grândola Vila Morena" que teremos de cantar enquanto não chegar o dia de, como Manel Cruz diz na canção, ser tarde para voltarmos atrás.