Viver entroikado, não ter o que pôr na mesa

As visitas às empresas de sucesso, as idas ao Parlamento e as vernissages com as chamadas “forças vivas” mostram-lhes uma fotografia desfocada do país. Os transportes públicos, esses sim, são o espelho de Portugal. Uma janela para a realidade.

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As visitas às empresas de sucesso, as idas ao Parlamento e as vernissages com as chamadas “forças vivas” mostram-lhes uma fotografia desfocada do país. Os transportes públicos, esses sim, são o espelho de Portugal. Uma janela para a realidade.

Não falo só dos rostos que não escondem desalentos. Das empresas que, através da janela de um eléctrico, se vêem a fechar todos os dias, dos milhares de cartazes de casas à venda, como se os portugueses estivessem em massa a fugir do país.

Os governantes deviam andar de transportes públicos. Nem que fosse só de vez em quando. Iam ver que o número de pedintes cresce dia a dia. Gente que não tem outra solução a não ser vir para a rua pedir esmola.

Nesta semana, uma mulher travou-me o passo num túnel do metro. Não teria mais de 40 anos. Olhou-me nos olhos e de uma forma serena disse-me: “O senhor desculpe-me, estou desempregada, não tenho qualquer apoio, vivo sozinha com dois filhos e não tenho o que lhes pôr na mesa. Pode ajudar-me com qualquer coisa?”

Aquela mulher que nada aparentava de pedinte não podia estar a mentir. O seu olhar não mentia. Era uma mulher desesperada que não tinha como dar de comer aos filhos. Vir para a rua pedir esmola foi, provavelmente, o seu último recurso, a única possibilidade de ter algo para pôr na mesa.

“É muito difícil ver aspectos positivos naquilo que é duro e difícil”, disse o primeiro-ministro na entrevista de quarta-feira, garantindo que o seu Governo está a conseguir resultados para tirar o país da crise.

Admito que sim, mas a preocupação primeira devia ir para aqueles que, à custa dos “aspectos positivos” que o primeiro-ministro canta, são empurrados para a miséria. A “missão histórica” que Passos Coelho diz estar a cumprir devia começar por garantir que todos os portugueses tivessem o que pôr na mesa.

Até lá, o messias político que o primeiro-ministro se julga não passa aos olhos dos muitos portugueses que vivem na miséria de um fraco charlador.

Os governantes portugueses deviam andar mais de transportes públicos.