Caminho(s) Único(s)
A democracia assenta na escolha livre e responsável de caminhos alternativos. Não há caminhos únicos ao contrário do que nos apregoam
Estranho tempo este em que vivemos ditados pelas estrelas. Quem imaginaria que esse quadro bíblico seria agora transposto para a sociedade moderna, cosmopolita e globalizada. O caminho das estrelas é aquele trilhamos, dia após dia, decisão após decisão, medida após medida.
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Estranho tempo este em que vivemos ditados pelas estrelas. Quem imaginaria que esse quadro bíblico seria agora transposto para a sociedade moderna, cosmopolita e globalizada. O caminho das estrelas é aquele trilhamos, dia após dia, decisão após decisão, medida após medida.
Seguir as estrelas é, agora, confortante porque retira de nós a responsabilidade e preocupação de encontrar soluções, questionar, explicar e decidir. Retira de nós a democracia.
A democracia assenta na escolha livre e responsável de caminhos alternativos. Não há caminhos únicos ao contrário do que nos apregoam. Hoje o discurso é o do fatalismo e do apocalipse, na lógica da inevitabilidade celeste que ultrapassa a questionação e a razão. Prosseguir ou perecer como se votar e escolher fosse um ato administrativo e tudo o resto uma mera formalidade. É “este caminho” ou a fatalidade épica dos tempos modernos. Este discurso assenta numa falta de cultura democrática e de interrogação que está enraizada na cultura portuguesa.
Quase quarenta anos passados desde o 25 de Abril o nosso sistema de ensino rejeita a interrogação constante dos estudantes rotulando-as de insolência e insubordinação. Ao contrário de outros países em que as aulas são diálogos intermináveis e em que estudantes contrapõem as teses e teorias dos seus Mestres. Quantas e quantas famílias não conversam com os seus filhos a pretexto de serem “conversas de adultos” ou as impedem de questionar livremente opções e atitudes familiares ou da sociedade? Quantos e quantos “chefes” não impõem as suas regras de forma cega e sem qualquer preocupação pela visão e criativa de quem chefiam? Aqui, mantemos cristalizada a hierarquização da sociedade.
Em tempos de crise cresce a prepotência dos poderes fortes e poderosos. A sua iluminada sapiência teima em guiar um caminho em que a troca de ideias e pontos de vista é motivo de “alarmismo dos mercados” e de “perigo para Portugal”. Ideal mesmo seria retirar todas as pedras (leia-se Constituição e Leis) deste caminho para que nada comprometa o seu destino final. Em resumo, tal como no sistema feudal, os esclarecidos têm a razão mesmo sem a explicar e os outros têm a obrigação de não atrapalhar e ficar ajoelhados na berma do caminho de cabeça, alma e mão estendida.
O baixar de braços é fruto de um conjunto imenso de fatores onde se inclui a noção de inevitabilidade. Porque devem os desempregados procurar emprego se é inevitável o aumento do desemprego? Porque devem os pobres procurar sair da miséria se a miséria alastra diariamente?Porque devemos pugnar por um país melhor se nos dizem que só há este caminho?
Recuso este fatalismo! Rejeito a hipótese dogmática do caminho único e da unicidade em democracia! A mudança comportamental e democrática é uma das reformas estruturais mais prementes para a melhoria social e económica de Portugal. Mais exigência e rigor em todos os sectores sociais com transparência e maior prestação de contas. Em nome da democracia.
"A fatalidade do não - ou a nossa própria fatalidade - é que não há nenhum não que não se converta em sim."
José Saramago, in Folha de S. Paulo