Associações lançam campanha pelo reconhecimento do trabalho sexual

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“Trabalho sexual é trabalho” é o mote do vídeo da campanha que é apresentada esta terça-feira DR

Um vídeo mostra depoimentos de homens e mulheres — uma prostituta, um stripper, uma operadora de linha erótica... Falam da sua actividade, do que valorizam, do que lamentam. O que lamentam? Não ter reforma, diz uma.

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Um vídeo mostra depoimentos de homens e mulheres — uma prostituta, um stripper, uma operadora de linha erótica... Falam da sua actividade, do que valorizam, do que lamentam. O que lamentam? Não ter reforma, diz uma.

“Trabalho sexual é trabalho” é o mote do vídeo da campanha que é apresentada esta terça-feira em conferência de imprensa, em Lisboa, pela Rede sobre Trabalho Sexual, da qual fazem parte uma série de organizações. Entre elas, estão a Obra Social das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor, que trabalha com prostitutas em Lisboa, o Grupo Português de Activistas sobre Tratamentos de VIH/SIDA (GAT), ou a Liga Portuguesa Contra a Sida.

O PÚBLICO falou com Sara Trindade, 28 anos, coordenadora da campanha, membro do GAT, e com Rodrigo, 26 anos, acompanhante — é assim que Rodrigo define o que faz quando vai ao centro de saúde, mas nem sempre corre bem: “Se chego a uma consulta e digo que sou trabalhador sexual dizem-me que não pode ser, não podem pôr lá isso [no impresso] e tenho que inventar.”

Rodrigo sente-se discriminado. Por ter que “inventar”. Por não ter acesso a uma baixa se for preciso. Mostra-se ofendido quando se lhe pergunta se está consciente de que ver a sua profissão reconhecida implicaria perder parte do rendimento para o Estado. “Alguém se sente prejudicado por pagar Segurança Social sabendo que vai ter direito a uma reforma?”

Este é apenas um exemplo de como a falta de reconhecimento do trabalho sexual como trabalho tem impacto na vida das pessoas, explica Sara Trindade. “Se muitas trabalhadores do sexo não assumem, não dizem que o são, no centro de saúde, ao seu médico, o acompanhamento que estas pessoas têm não corresponderá, provavelmente, às suas necessidades.”

A campanha “Trabalho sexual é trabalho” pretende contribuir para contrariar “o estigma que recai sobre quem faz trabalho sexual”, continua — porque o estigma tem “um impacto negativo nas condições de trabalho, na saúde, na segurança”.

É também preciso que quem trabalha na indústria do sexo deixe de ser visto como vítima, defende ainda Sara Trindade: “O que queremos mostrar é que há, no universo de pessoas que fazem trabalho sexual, muitas que seguem o seu livre arbítrio, sem estarem sujeitas a coacção.”

Mesmo no meio da prostituição, é isso que as associações que trabalham no terreno encontram? “Há muito o estereótipo do proxeneta mas não é isso que encontramos no terreno, esses casos são residuais.”

Rodrigo, que colabora com o GAT dando formação na área da prevenção a outros trabalhadores do sexo, não sabe se ser acompanhante é o que quer fazer para o resto da vida, mas garante que, neste momento, é uma escolha.

Para já, a Rede não reclama alterações à legislação. Mas até ao final do ano emitirá recomendações. Sara Trindade fala de alguns modelos que considera interessantes. “Na Nova Zelândia, por exemplo, as pessoas estão inscritas como profissionais, podem negociar com os donos dos bordéis questões relacionadas com o assédio sexual — quais os limites do que fazem e do que não fazem. E podem aceder a serviços de mediação governamentais. Em Portugal, apesar da não criminalização da prostituição, existe uma relação pouco favorável com as autoridades. O reconhecimento de profissão por parte das diferentes entidades públicas facilitará o reporte de situações de violência sobre os trabalhadores do sexo e a sua protecção legal.”

O vídeo, que mistura actores que nada têm a ver com a indústria do sexo com outros que têm, circulará nas redes sociais e em sites de Internet. Em curso estão negociações com uma estação de televisão. Constituída por organizações não governamentais, faltam verbas à Rede para suportar os custos da publicidade.

Foi reformulada a frase "participam actores e pessoas que trabalham na indústria do sexo" para evitar ambiguidades. Patrícia Yuan, que interpreta a personagem Joana Sousa, pediu que ficasse claro que foi contratada como actriz para participar na campanha, nada tendo a ver com a indústria do sexo.