Barcelona parece hesitar entre Le Corbusier e Genet

Manuel Delgado, antropólogo, chama-lhe a “cidade mentirosa”, que se mascara e aperalta para os concursos mundiais de “top-model” urbana

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Albert Gea/Reuters

Barcelona é uma cidade que mantém acesas as suas marcas plebeias, visíveis na forma como se fala alto em certas ruas e praças, no à-vontade com que as roupas baloiçam ao vento nos estendais dos estreitos corredores de casas de Barceloneta e em toda a Ciutat Vella, nas tascas animadas pela informalidade e pelo riso embriagado e por um ambiente implícito de sub-mundo e "bas-fond". O sub-mundo transporta-nos para a ilegalidade das redes de tráfico humano, para as máfias que exploram os imigrantes ou parte do comércio do sexo. Já o "bas-fond" (curiosa, a dança semântica das palavras…) insinua-se em ambientes de algum charme associados a comportamentos e modos de vida não convencionais, que os normativos apelidariam de “desviantes”.

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Barcelona é uma cidade que mantém acesas as suas marcas plebeias, visíveis na forma como se fala alto em certas ruas e praças, no à-vontade com que as roupas baloiçam ao vento nos estendais dos estreitos corredores de casas de Barceloneta e em toda a Ciutat Vella, nas tascas animadas pela informalidade e pelo riso embriagado e por um ambiente implícito de sub-mundo e "bas-fond". O sub-mundo transporta-nos para a ilegalidade das redes de tráfico humano, para as máfias que exploram os imigrantes ou parte do comércio do sexo. Já o "bas-fond" (curiosa, a dança semântica das palavras…) insinua-se em ambientes de algum charme associados a comportamentos e modos de vida não convencionais, que os normativos apelidariam de “desviantes”.

Mas Barcelona é também a metrópole do grande negócio urbano, de uma burguesia agressiva e pomposa, do "marketing" de cidade, do frenético laboratório da mais sofisticada arquitectura global, dos grandes eventos desportivos e culturais, das mega-empreitadas de regeneração imobiliária, extensível aos espaços públicos, e do proliferar das “indústrias criativas”, um dos mais recentes impulsos do capitalismo na sua voraz vontade de canibalizar as artes e a cultura. Manuel Delgado, antropólogo, chama-lhe a “cidade mentirosa”, que se mascara e aperalta para os concursos mundiais de “top-model” urbana, mas que esconde, por detrás da maquilhagem, os rios de dinheiro dos negócios imobiliários e das exclusões urbanas, com vastos espaços públicos para turista passear, como cenários de uma ficção ou espectáculo que tudo transforma em mercadoria, longe das pessoas, que já lá não habitam.

Esta cidade ambivalente despertou em meados do século passado o interesse de duas figuras primeiras da cultura francesa: Le Corbusier e Jean Genet. O arquitecto modernista e racionalista tinha um projecto que pretendia demolir parte do centro histórico, para aí construir um urbanismo ordenado, utópico e higienizado, de usos planificados e prescritos. O grande escritor e dramaturgo, ao invés, fascinou-se pelo Barrio Chino, no seu rodopio nocturno de ladrões, prostitutas e prostíbulos. O primeiro gostava de normalizar e controlar os espaços, o segundo fazia o elogio da deambulação nómada e sensual.

Barcelona parece hesitar – e nós com ela.

E também é possível tudo esquecer, ao Sol, na Plaza dels Àngels, desejar ter asas para acompanhar as impossíveis acrobacias dos "skaters" que se exibem à cidade.