“Minha Linda Senhora” (“My Fair Lady”), de George Cukor (1964)

“My Fair Lady”, de George Cukor, é um espectáculo de subtilezas, de cores e formas e sentimentos, de cenários e roupas, de ascensão social, de amor romântico

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O romancista e dramaturgo irlandês George Bernard Shaw publicou em 1912 a peça de teatro “Pygmalion”, cuja história começa com a aposta que o professor de fonética Henry Higgins faz com o coronel Pickering de que consegue, em seis meses, fazer passar a pobre vendedora ambulante de flores Eliza Doolittle por uma aristocrata num baile de uma embaixada, em Londres. Desde então, muitas adaptações se fizeram da peça para o teatro. Em 1938, Anthony Asquith e Leslie Howard realizaram uma versão cinematográfica com Lesley Howard no papel do prof. Higgins e Wendy Hiller no de Eliza que convido os leitores a ver, pelos muitos motivos de interesse, entre os quais o de ter tido como responsável pela montagem David Lean, que se tornaria realizador de cinema conhecidíssimo, de quem já falámos aqui a propósito de “Lawrence da Arábia”.

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O romancista e dramaturgo irlandês George Bernard Shaw publicou em 1912 a peça de teatro “Pygmalion”, cuja história começa com a aposta que o professor de fonética Henry Higgins faz com o coronel Pickering de que consegue, em seis meses, fazer passar a pobre vendedora ambulante de flores Eliza Doolittle por uma aristocrata num baile de uma embaixada, em Londres. Desde então, muitas adaptações se fizeram da peça para o teatro. Em 1938, Anthony Asquith e Leslie Howard realizaram uma versão cinematográfica com Lesley Howard no papel do prof. Higgins e Wendy Hiller no de Eliza que convido os leitores a ver, pelos muitos motivos de interesse, entre os quais o de ter tido como responsável pela montagem David Lean, que se tornaria realizador de cinema conhecidíssimo, de quem já falámos aqui a propósito de “Lawrence da Arábia”.

No entanto, é da versão musical “My Fair Lady”, estreada em 1964, que adapta a versão teatral musicada, que lhes queria falar hoje.

Comecemos pelo realizador, George Cukor, que dirigiu oito vezes Katharine Hepburn, uma das quais em “The Philadelphia Story”/”Casamento Escandaloso” (1940), de que, muito justamente, já falámos. Conhecido como “cineasta de mulheres”, conseguiu a proeza de fazer um filme – “Mulheres” (“The Women”), de 1939 – sem um homem em cena. Em “My Fair Lady” há homens em cena, e homens importantes, tão importantes que não se poderia fazer uma versão de “Pygmalion” sem eles, mas, mesmo assim, no dizer de muita gente, o resultado é, sem dúvida, um “filme para mulheres”. Contestando a classificação, compreendo o seu alcance: é um espectáculo de subtilezas, de cores e formas e sentimentos, de cenários e roupas, de ascensão social, de amor romântico. Hoje em dia já há homens capazes de ler tudo isto sem se engasgarem muito e até compreendendo o que leram. Quanto a gostarem...

Rex Harrison, no papel de prof. Higgins, e Audrey Hepburn, no de Eliza, são protagonistas à altura das suas personagens, mas, sendo homem, sou crítico da figura de Audrey Hepburn para encarnar a mulher deslumbrante que faz parar o baile da embaixada no seu famoso vestido branco, atraindo todos os olhares, causando a inveja das mulheres e o desejo dos homens. Quanto à inveja das mulheres, é profundidade a que não estou autorizado a mergulhar, por falta de fôlego e de vocação; quanto ao desejo dos homens, também não conheço o colectivo, mas o famoso vestido branco, liso, direito, revela uma ausência de formas que dificilmente poderá ser tomada por atraente, excepto, talvez, pelas pessoas mais sugestionáveis. Dou por mim a imaginar, em vez de Audrey Hepburn, Julie Andrews, que não precisaria de ser dobrada nas canções, ou Natalie Wood ou Sophia Loren, que ninguém quereria saber, por certo, se eram dobradas ou não.

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Mas o que esta versão tem a mais é o seu tom gracioso permanente e espirituoso a cada passo, muito ajudado por esse outro actor de expressão corporal ímpar que é Stanley Holloway, que interpreta a figura fantástica de Alfred P. Doolittle, o pai de Eliza, um apanhador de lixo que, como o seu nome indica, gosta pouco de trabalhar, mas cujo discurso o transforma em filósofo. É notável o seu riso gutural de projecção de bafo alcoólico que atinge em cheio, por duas vezes, o prof. Higgins, quando Doolittle o visita em sua casa para tentar aproveitar-se da situação da filha. Reparem também na expressão de piscar o olho e puxar a boca para o lado para reforçar o discreto “não” com a cabeça, em resposta à pergunta do coronel Pickering sobre se não era casado com a mãe de Eliza. Ou na sua interpretação da canção “With a Little Bit of Luck”, em que ele divulga a sua filosofia de vida.

Há ainda o génio de tantas das canções, com letra de Alan Jay Lerner e música de Frederick Loewe, que os espectadores conservarão na memória durante anos (há pessoas assim...). Canções como a já citada, como “Wouldn’t it Be Loverly?”, “I Could Have Danced all Night”, “On the Stree Where You Live”.

Mas a cena mais notável do filme, ligada a outra canção magistral, “Ascot Gavotte”, é talvez a das corridas de Ascot, cerimónia por excelência da alta sociedade, onde as senhoras competem pela originalidade dos chapéus e onde a contenção “snob” das sensações humanas atinge o seu ponto máximo, resultando em hilariante contraste entre uma letra que descreve o nervosismo crescente dos que assistem à corrida – pulsações a acelerar-se, comoção, agitação, frenesim – e a sua atitude cada vez mais fria, lenta e rígida, a ponto de se tornarem numa multidão completamente imóvel. Vale um filme!