“Qualquer dia os táxis acabam"
A ele juntaram-se várias centenas de motoristas de táxi vindos de diversos pontos do país, cerca de mil, segundo a organização. Carros lavados e a reluzir ao Sol de Lisboa, quando os termómetros rondavam os 25ºC, e palavras de protesto impressas em folhas brancas coladas nos vidros laterais e traseiro. Estavam prontos para se juntarem à marcha lenta, organizada pela Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL) que devia sair do parque norte do Parque das Nações às 10h, mas tiveram de esperar 45 minutos.
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A ele juntaram-se várias centenas de motoristas de táxi vindos de diversos pontos do país, cerca de mil, segundo a organização. Carros lavados e a reluzir ao Sol de Lisboa, quando os termómetros rondavam os 25ºC, e palavras de protesto impressas em folhas brancas coladas nos vidros laterais e traseiro. Estavam prontos para se juntarem à marcha lenta, organizada pela Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL) que devia sair do parque norte do Parque das Nações às 10h, mas tiveram de esperar 45 minutos.
Aproveitam para pôr a conversa em dia e, entre trivialidades, deixam antever um sector cuja rentabilidade já tinha visto melhores dias. Passaram a ter concorrência no transporte de doentes não urgentes aos hospitais, foram obrigados a registar em cadernetas cada movimentação de um horário supostamente isento e, face aos custos crescentes do dia-a-dia, as tarifas não dão sinais de aumentarem. Às 10h45, a marcha começa. Pontas de cigarros esmagadas no chão, óculos de sol a postos, o percurso tem como destino a residência oficial do Primeiro-Ministro e, a meio, há uma paragem no Ministério da Saúde.
José entra no carro. O cinto de segurança cortado indicia a experiência de 31 anos atrás de um volante. Desliga a música e diz que, no dia todo, vai perder cerca de 50 a 60 euros, mas que vale a pena e lamenta não estarem presentes todos os taxistas do país, que só em Lisboa rodam os 3500, “para os governantes se preocuparem com o sector”.
Aos 65 anos, o motorista que se apaixonou pela profissão quando voltou do Ultramar e ainda foi empregado de escritório, já só trabalha metade dos dias. “Estou saturado, andei anos a fazer 15 a 16 horas, agora não”. “Nesta profissão não podemos facilitar, tenho de fazer o serviço em segurança tanto para mim como para o passageiro”, justifica fitando com os olhos claros o cartaz colado no vidro do táxi da frente: “Não queremos subsídios, queremos trabalho”.
Tarifas não sobem há dois anosConcorda com o que lê. Às subidas galopantes do preço do combustível e constantes manutenções que um táxi exige, o sector responde com tarifas inalteradas há dois anos, bandeiradas a dois euros e preços por quilómetro a rondar os 50 cêntimos. “Não é rentável”, afirma o motorista que, passados 46 anos de descontos para a Segurança Social, recebe uma reforma que não chega aos 380 euros. “Fazia mais dinheiro quando o táxi era a metade do preço do que agora”.
Aumenta a velocidade para os 50 quilómetros por hora e entra no ritmo de buzinadelas dos restantes colegas da fila. Pelo caminho, perde duas das quatro folhas coladas nos vidros que se juntam a tantas outras caídas na estrada. Pára no Ministério da Saúde, na Avenida João Crisóstomo.
Concorrência no transporte de doentesFlorêncio de Almeida, presidente da ANTRAL, vai entregar um documento reivindicativo. Em causa está o transporte de doentes não urgentes que deixou de ser garantido exclusivamente por táxis e bombeiros e passou a poder ser feito por privados, após a publicação em Maio de uma portaria do Ministério da Saúde. Basta ter um veículo até nove lugares, duas placas identificadoras, um curso de suporte básico de vida e está-se apto para entrar na competição.
Uns metros à frente na fila, Joaquim Pedroso, 65 anos, conhece de cor as ruas de Lisboa onde trabalha há 18 e não está optimista quanto a esta questão. “Quem pensa numa lei, raramente volta atrás”, afirma com uma convicção misturada com revolta. Conta que tem um familiar que precisava de ser transportado para um centro de fisioterapia, depois de uma intervenção cirúrgica, foi obrigado a ter de utilizar uma dessas carrinhas de nove lugares, que transportam vários doentes ao mesmo tempo. “Chegou a chamar-me porque eles andavam a passear e as dores eram já insuportáveis”, recorda.
Nos meios mais pequenos, como a aldeia de Bencatel, em Vila Viçosa, onde trabalha Inácio Aires, que buzina quase no final da fila, este problema está mais patente. O motorista fala numa redução de 70% a 80% dos serviços que habitualmente desempenha.
Atrás dele, Carlos Vitorino só veio para a profissão há dois anos, “numa altura em que ainda havia muito trabalho”. Já não apanhou as credenciais para transportar doentes e agora está descrente numa inversão da situação. À passagem pelo Rato, o motorista diz que em Montemor-o-Novo, onde trabalha, “há freguesias que têm táxis e não trabalham”. Junta às incompreensões a obrigatoriedade de os profissionais terem de registar numa caderneta todas as movimentações quando, supostamente, são isentos de horários e trabalham ao sabor dos serviços dos clientes.
São quase 13h. Falta para pouco para chegar à residência oficial do Primeiro-Ministro e as buzinas não param. Florêncio de Almeida sai numa nova investida e entrega outro documento reivindicativo, recebendo a garantia do gabinete de Pedro Passos Coelho de que vai ser marcada uma reunião urgente com todos os ministérios envolvidos na questão do transporte de doentes não urgentes. Os táxis encostam à direita e à esquerda à volta da Assembleia da República e, cá fora, os motoristas esperam ansiosos por uma resposta concreta às suas preocupações, mas estas não chegam a aparecer. A Comissão Parlamentar não iria funcionar nas próximas duas semanas e a presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, também não se encontrava.
Assim sendo, fica marcado um novo protesto para 2 de Setembro caso não surjam respostas às reivindicações do sector. “Se não se fizer nada, nem vale a pena reclamar”, afirma Carlos Vitorino.
“Qualquer dia os táxis acabam. Quando morrerem as pessoas de 50 e tal anos, isto acaba”, vaticina José Salazar, que, embora descrente no futuro da profissão, adora ser taxista. “Adoro conhecer os passageiros e já sei ver se as pessoas querem conversar ou não”, afirma.
Depois de três horas de marcha lenta pelas ruas de Lisboa, são os taxistas que querem conversar com o Governo sobre as condições do sector a que se dedicam diariamente. Carlos Vitorino garante: “Se houver outra marcha maior, estou cá outra vez”.