O importante, ao que tudo indica, é o que menos interessa

Gosto do Sherlock Holmes, como já se percebeu. E gosto do Luiz Pacheco, ou melhor, ando um bocado obcecada com ele, desde que me foi apresentado

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“Para um homem que ama a arte por si só é das suas manifestações menos importantes e mais básicas que frequentemente retira o maior prazer”, disse o Sherlock Holmes (o melhor de todos os tempos) ao seu caro Watson, um dia destes na RTP Memória.

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“Para um homem que ama a arte por si só é das suas manifestações menos importantes e mais básicas que frequentemente retira o maior prazer”, disse o Sherlock Holmes (o melhor de todos os tempos) ao seu caro Watson, um dia destes na RTP Memória.

Mandei parar a série (já não se pode chamar “ver televisão” a isto que fazemos em frente ao televisor) para escrever a frase e como não era imediatamente perceptível quis ouvi-la de novo para tentar perceber se a tradução estava bem feita. Pareceu-me que sim. A minha filha disse que não tinha percebido. Eu disse que era óbvio. Ela pediu-me exemplos (que mania!) e eu inventei qualquer coisa. Ela disse que era ridículo. Talvez. Mas o Sherlock Holmes tem razão. Como sempre.

Não me cabe a mim identificar as manifestações artísticas menos importantes, mas esta ideia de que as coisas mais básicas e menos importantes são as que nos dão maior prazer, vai, parece-me, ao encontro de uma outra ideia: são as coisas mais prosaicas que definem a nossa vida, como o preço do pão (todos temos de comer) e do papel higiénico (todos temos de defecar).

Eu não sou tão radical como a Helena Sacadura Cabral, que disse numa entrevista não gostar nada de intelectuais, porque não tem interesse nenhum em saber o que dizem as pessoas que não sabem quanto custa um litro de leite. Eu posso dizer que o que consumimos cá em casa, custa 57 cêntimos, mas tive de ir confirmar o preço, admito, porque não sabia ao certo.

Não sou tão radical, dizia, porque eu gosto de intelectuais. De alguns intelectuais, então, gosto mesmo muito. Gosto do Sherlock Holmes, como já se percebeu. E gosto do Luiz Pacheco, ou melhor, ando um bocado obcecada com ele, desde que me foi apresentado neste curso de literatura.

E o curioso (não vamos falar da vergonha que é nunca ter ouvido falar dele, ou ter ouvido e não ter dado importância) é que foram as coisas menos importantes (lá está) que ouvi dele, como o facto de ser hipocondríaco e bêbado, que me despertaram a atenção.

Aliás, tenho tendência a registar os aspectos aparentemente menos importantes das coisas: da Broadway, quando tive a incrível felicidade de assistir ao musical “Les Miserables” (um bem haja à Escola Secundária Eça de Queirós), lembro-me das senhoras a entregar as toalhas de mão, no quarto de banho, com um pinça, como as que se usam para tirar bolos das vitrinas; do livro de Cortázar, Rayuela, do nome do filho da Maga; e do "Couraçado Potemkine" lembro-me de um grupo de amigos a ver o filme, numa sala pequena com um televisor e um dvd, fascinados com os “efeitos especiais”.

Ou seja, se da arte retiramos prazer apenas, ou sobretudo, das suas manifestações mais básicas, das vivências os detalhes sem importância e na vida o que conta são os aspectos mais prosaicos, porque raio continuamos à procura da grandiosidade?