Alcaide de Olivença retira carga bélica à recriação da Guerra das Laranjas

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Olivença preserva, nas suas ruas e em cada esquina, traços da presença portuguesa de seis séculos Foto: Paulo Ricca

Uma intervenção "discreta" do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português junto do alcaide de Olivença, Píriz Bernardino, terá sido determinante nas alterações verificadas na encenação teatral, admite o historiador Carlos Luna, acérrimo defensor da devolução do território ocupado a Portugal. O PÚBLICO tentou ontem confirmar esta versão junto do MNE, mas sem sucesso.

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Uma intervenção "discreta" do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português junto do alcaide de Olivença, Píriz Bernardino, terá sido determinante nas alterações verificadas na encenação teatral, admite o historiador Carlos Luna, acérrimo defensor da devolução do território ocupado a Portugal. O PÚBLICO tentou ontem confirmar esta versão junto do MNE, mas sem sucesso.

Também a posição manifestada em Março passado por um grupo de deputados socialistas portugueses, junto do Governo, advertindo-o de que o "assunto" de Olivença poderia "ferir susceptibilidades históricas e nacionais", pode ter surtido efeito.

A iniciativa promovida por Píriz Bernardino mereceu o repúdio dos presidentes de câmara de Elvas, Vila Viçosa e Campo Maior, que se manifestaram contrários à recriação histórica da ocupação de Olivença. Os autarcas advertiram para os riscos de recordar um acontecimento dramático que "deixou feridas abertas" na comunidade oliventina até hoje.

Mal-estar dos dois lados

O mal-estar causado pelo anúncio da recriação do evento militar estendeu-se a boa parte da população de Olivença, "incluindo aqueles mais espanholistas", considera Carlos Luna, que garante ter escutado, em diversas deslocações à localidade, a "indignação" de muitos elementos da comunidade local.

"Ninguém, excepto os oliventinos, tiveram a ideia de celebrar a guerra que os derrotou e comemorar a conquista, que matou tantos dos seus antepassados", destacou, por sua vez, o historiador espanhol Ramon de la Torre, num artigo de opinião no diário Hoy, que se publica na região da Extremadura.

Quando se pensava que a memória da presença portuguesa se circunscrevia a alguns elementos da população mais velha, a decisão do alcaide "desconfortou" boa parte da comunidade, que "não gostou da iniciativa", constata Carlos Luna.

Esta posição veio igualmente provocar muitas interrogações, e o resultado está expresso "num recuo no sentido das comemorações" idealizadas pelo jovem alcaide eleito pelo Partido Popular espanhol, observa Gonçalo Couceiro Feio, vice-presidente do Grupo dos Amigos de Olivença. As informações que recolheu da realização da peça teatral dizem-lhe que "foi muito mais pequena" em figurantes e tempo de representação do inicialmente programado.

A leitura que é possível fazer da peça teatral da autoria do dramaturgo extremenho Isidro Leyva, poucas horas após ter terminado, revela uma acentuada mitigação do enredo associado à Guerra das Laranjas. O alcaide explicou ao PÚBLICO que as referências à componente bélica se reduzem a um curto período temporal. Passou a destacar o período da história de Olivença entre 1282, quando passou a fazer parte da coroa portuguesa - através do Tratado de Alcanizes, que restabeleceu a paz entre Portugal e o reino de Castela e fixou os limites fronteiriços entre os dois reinos -, e 1801, quando foi consumada a anexação, na sequência da Guerra das Laranjas, que se mantém até hoje.

O alcaide de Olivença assume que, "após a polémica causada por membros do Partido Socialista Operário Espanhol e por deputados socialistas portugueses", o mal-estar "terminou". Píriz Bernardino acredita que os laços com Portugal "saíram reforçados" com a reposição histórica dos 600 anos da presença portuguesa em Olivença.

Um drama familiar, amoroso e militar

Quando o alcaide de Olivença anunciou, em Novembro de 2011, a recriação da Guerra das Laranjas, o número de figurantes previstos superava os 300. Mas o enredo levado à cena contou apenas com uma centena de participantes.

A história teatralizada que iria ser contada ao longo de 18 dias - o período de tempo, entre 20 de Maio e 7 de Junho de 1801, em que decorreu a ocupação de Olivença pelo exército espanhol - acabou por decorrer durante meia dúzia de horas, nas noites de sexta-feira e sábado.

O conflito bélico passou a drama familiar e amoroso, mas não dispensou no cartaz promocional a figura de Miguel Godoy, o chefe militar espanhol que liderou a ocupação de Olivença.