Onze mil mulheres internadas por aborto em 2002

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Os dados da DGS indicam que cinco mulheres morreram por complicações após aborto clandestino PÚBLICO

De ano para ano, "as variações não têm sido significativas", comenta a responsável pela Divisão de Saúde Materno-Infantil e dos Adolescentes da DGS, Beatriz Calado, sublinhando que o progressivo aumento dos abortos feitos ao abrigo da lei reflecte sobretudo a evolução das actividades de diagnóstico pré-natal que permitem detectar atempadamente doenças e malformações do feto. Para além das razões "eugénicas", a legislação portuguesa não pune a interrupção voluntária de gravidez (IVG) em caso de violação e de grave risco para a saúde física ou psíquica da mãe.

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De ano para ano, "as variações não têm sido significativas", comenta a responsável pela Divisão de Saúde Materno-Infantil e dos Adolescentes da DGS, Beatriz Calado, sublinhando que o progressivo aumento dos abortos feitos ao abrigo da lei reflecte sobretudo a evolução das actividades de diagnóstico pré-natal que permitem detectar atempadamente doenças e malformações do feto. Para além das razões "eugénicas", a legislação portuguesa não pune a interrupção voluntária de gravidez (IVG) em caso de violação e de grave risco para a saúde física ou psíquica da mãe.

Oficialmente, no ano passado, os estabelecimentos de saúde registaram apenas 190 abortos ilegais, mas há notícia de cinco mortes ocorridas nas sequência de interrupções de gravidez, adiantou ainda Beatriz Calado. Para o director executivo da Associação para o Planeamento da Família, Duarte Vila, este último dado é "importantíssimo" e revela que o agravamento do clima de "repressão" sentido nos últimos tempos está a provocar efeitos nefastos. "Havia um sistema que era clandestino, mas funcionava. Ao mexer-se nisto, as mulheres passam a ir ao primeiro sítio que lhes aparece", diz.

Seja como for, a análise dos dados oficiais - que resultam apenas dos registos de internamento nos hospitais - tem de ser feita com reserva. Em 1998, num relatório sobre esta problemática, o deputado José Magalhães considerava já "não ser descabido" afirmar que "uma parte dos casos codificados como abortos com complicações (retidos, não especificados ou espontâneos) referem-se verdadeiramente a complicações de aborto ilegal".

Em 2002, à semelhança do que acontece todos os anos, a maior parte das IVG chegadas aos estabelecimentos de saúde surgem classificadas como "não especificadas" (2345), "retidas" (3101) e "espontâneas" (4761).

Dados mais detalhados fornecidos ao PÚBLICO pelo Ministério da Saúde no ano passado (e relativos ao segundo semestre de 2001) permitiam ir mais longe: em apenas seis meses, o número de situações de complicação pós-aborto clandestino chegadas aos hospitais representava mais do dobro das interrupções feitas ao abrigo da lei. No segundo semestre de 2001, para 242 abortos legais, foram registados 578 internamentos devido a complicações na sequência de abortos clandestinos, 34 dos quais devido a infecção generalizada (sepsis) e cinco por perfurações do útero. O grosso das situações aparecia então referenciada como aborto "incompleto" ou "retido" (quando o feto morre mas o útero não esvazia).

Também a avaliação do cumprimento da lei que veio despenalizar o aborto em quatro circunstâncias se revela muito complicada, uma vez que os relatórios enviados pelos hospitais para a DGS não mencionam os pedidos de interrupção de gravidez formulados e rejeitados. A portaria 189/98 que veio regulamentar a lei estabeleceu a criação de comissões técnicas de certificação mas apenas para os casos de doença ou malformação fetal. A aceitação ou não das outras circunstâncias e motivos ficou, assim, nas mãos dos médicos. Há estabelecimentos de saúde onde, por exemplo, os pedidos de grávidas seropositivas ou toxicodependentes são rejeitados logo à partida.