Veterinários admitem falta de fiscalização no uso de antibióticos

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A Associação Portuguesa de Defesa do Consumidor (Deco) analisou um conjunto de alimentos para além do mel - ovos, camarão e costeletas de porco – e só o camarão escapou sem qualquer reparo ao estudo. O estudo decorreu no âmbito de testes realizados na Bélgica, Espanha e Itália.

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A Associação Portuguesa de Defesa do Consumidor (Deco) analisou um conjunto de alimentos para além do mel - ovos, camarão e costeletas de porco – e só o camarão escapou sem qualquer reparo ao estudo. O estudo decorreu no âmbito de testes realizados na Bélgica, Espanha e Itália.

Procuravam-se vestígios de medicamentos de uso veterinário nos alimentos e no caso do mel e dos ovos a presença dessas substâncias foi detectada de forma significativa.

A Deco analisou 20 amostras de mel e detectou que metade continham vestígios de medicamentos de uso veterinário. Mas a associação avisa que em quatro destas amostras de mel foram detectados resíduos de cloranfenicol, um antibiótico de elevada toxicidade que está proibido nos países da União Europeia e que é prejudicial à saúde.

O cloranfenicol está presente no mel das marcas Campo Dulce, Continente, Granja de São Francisco e Modelo.

O estudo, que será publicado na edição de Fevereiro da revista “Teste Saúde”, abrangeu também os ovos, o camarão e as costeletas de porco.

Cerca de 40 por cento das amostras de ovos mostraram ter resquícios de medicamentos de uso animal e em dez por cento das costeletas de porco submetidas a análise também foram detectados resíduos.

Só os resultados dos testes às 20 amostras de camarão inteiro foram positivos, porque não mostraram ter resíduos de medicamentos.

O mesmo estudo e as mesmas análises foram feitos na Bélgica, Espanha e Itália. Portugal, no entanto, destacou-se pela negativa, com os piores resultados.

A Deco esclareceu, em conferência de imprensa, que os perigos dos resíduos de medicamentos detectados nos alimentos não têm efeitos imediatos, mas antes "consequências de longo prazo".

A diminuição da eficácia do organismo humano a antibióticos é um dos principais efeitos negativos da presença de vestígios de medicamentos de origem animal nos alimentos. Determinados tipos de antibióticos podem mesmo causar reacções adversas mais facilmente detectáveis, como seja o aparecimento de anemia.

Apesar de sublinharem que "qualquer animal tem direito a ser tratado", os responsáveis da Deco consideram "inadmissível" a utilização de antibióticos para prevenir doenças ou favorecer o crescimento de animais. É este o tipo de prática que os peritos da Deco consideram estar na origem dos resultados deste estudo.

Por isso, defendem a criação de um boletim de saúde animal onde sejam anotados todos os tratamentos e administração de medicamentos, com indicação de datas e respectivas dosagens.

Falta de fiscalização permite uso errado de medicamentos

A Ordem dos Médicos Veterinários reconhece que a falta de fiscalização na administração de medicamentos a animais permite que muitas vezes a obrigatoriedade de receita médica não seja cumprida.

Os médicos veterinários admitiram assim as situações denunciadas hoje pela Deco. O bastonário dos Veterinários, Jaime Menezes, assumiu que a obrigatoriedade de prescrição médica para a administração de antibióticos nem sempre é cumprida.

A opinião é corroborada pelo presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Mário Durval, que diz que "a administração de medicamentos veterinários é feita de maneira indiscriminada".

"Os antibióticos carecem de prescrição obrigatória. Mas isso nem sempre é cumprido, porque não é fiscalizado e porque não se exerce uma acção pedagógica junto dos produtores", reconheceu, apontando assim uma explicação para o aparecimento de vestígios de antibióticos de origem animal em alimentos de consumo humano.

Para a Ordem dos Veterinários, uma nova receita médica veterinária, identificando quem prescreve e quem recebe o medicamento, pode ser uma das soluções para evitar a leviandade na administração de antibióticos.

"Esta proposta foi feita em Junho ao Ministério da Agricultura, mas até agora ainda nada avançou”, lamentou o bastonário.