O Norte e o Sul

Reserve as terças-feiras para ler a newsletter de Teresa de Sousa e ficar a par dos temas da actualidade global.

Como presidente do Eurogrupo desde 2005 teve um papel fundamental na resposta à crise da dívida soberana. Não se trata apenas de uma questão de longevidade política. Juncker, com a sua inteligência e o seu conhecimento profundo da integração europeia, era um defensor do interesse comum a todos, mais ricos ou mais pobres (o Luxemburgo é o mais rico), do Norte ou do Sul. Um democrata-cristão que, como muitas vezes ouvi dizer, era um cristão-socialista.

Xavier Bettel, o jovem liberal (41 anos feitos em Lisboa) que o substituiu, é primeiro-ministro de uma coligação com os socialistas e os verdes. No cargo há três meses, ainda lhe falta experiência para navegar sem bússola no labirinto europeu. Cordial e descontraído, fala à vontade da crise europeia e da maneira de sair dela. O seu país mantém o triplo A. Mas a economia, assente num sector financeiro gigantesco (que oferece excelentes condições de secretismo ao capital internacional) não ficou imune à crise. Como nos explicou (a mim e a Nuno Aguiar, do Negócios), o desemprego, que era de 2,3 por cento antes da crise, passou para 7,1 por cento, e a dívida pública de 6 por cento na mesma altura, já está em 30 por cento.

É sobre estes indicadores “preocupantes” que assenta a mensagem mais importante que trouxe a Lisboa e que pouco transpareceu na conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo português: não temos lugar para mais portugueses com baixas qualificações, que continuam a chegar ao Luxemburgo ao ritmo de 10 mil por ano. “Hoje, com o desemprego, é mais difícil absorver os imigrantes do Sul da Europa com qualificações muito baixas”, acrescenta o ministro da Justiça, Feliz Braz, que, nem de propósito, é luso-descendente (nasceu lá mas os irmãos ainda nasceram cá), e membro do partido ecologista. O argumento está no desemprego. A mensagem: se insistirem em ir, terão provavelmente piores condições de vida do que as que tinham na pátria. Não se trata, diz o primeiro-ministro do Luxemburgo, de sermos “como a Suíça”, continuamos a “respeitar a livre circulação”, mas temos de cortar nos gastos sociais (dos mais generosos da Europa), “se queremos evitar as mesmas medidas que Portugal teve de adoptar”.

Pouco depois, o primeiro-ministro português haveria de dar a relação entre Portugal e o Luxemburgo em matéria de imigração como exemplo daquilo que deve ser a Europa, quando se trata da livre circulação.

Mas o maior banho de água-fria viria a seguir - aliás muito sublinhado pelos seus assessores, não fosse ficar qualquer dúvida. Portugal tem de continuar a aplicar a austeridade, aceitando as condições europeias para o apoio à sua economia. Consequências sociais ou consequências económicas da aplicação do programa de ajustamento são coisas que lhe estão distantes. Tentamos explicar que a austeridade matou uma parte da economia, o que parece uma novidade. Que a união bancária, incluindo o mecanismo de resolução, é urgente para Portugal, para conseguir financiar a economia com taxas de juro mais próximas das dos países do Norte. Os seus assessores parecem absolutamente insensíveis ao argumento. No fim, quando lhe perguntamos se, afinal, o que pensa sobre os problemas dos países sujeitos a programas, sobre a união bancária, ou sobre uma futura mutualização da dívida é exactamente o mesmo que a chanceler alemã, a sua resposta não podia ser mais cândida: “Sim”.

Sugerir correcção
Comentar