Luanda salienta mensagem de Cavaco após inquérito a vice-presidente de Angola ser arquivado

Comunicado da Presidência angolana surge três dias após felicitações de Portugal, após mais de três semanas de silêncio à primeira iniciativa de degelo de Belém.

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José Eduardo dos Santos, Presidente angolano Enric Vives-Rubio

Três dias depois de Cavaco Silva ter enviado ao seu homólogo angolano uma mensagem lembrando as relações especiais entre os dois países, e 24 horas após a Procuradoria-Geral da República ter confirmado o arquivamento da investigação ao vice-presidente Manuel Vicente, Luanda fez um gesto de degelo.

Em comunicado enviado nesta quinta-feira à agência Lusa, a Presidência angolana destaca a mensagem de felicitações do Presidente da República Portuguesa por ocasião do 38º aniversário da independência de Angola, em 11 de Novembro. Ao mesmo nível que as enviadas por Pequim e pelo Vaticano.

Na missiva angolana, são destacadas partes da mensagem de Belém. Que Portugal e Angola têm sabido “construir uma relação reciprocamente benéfica e profícua” e que os dois países têm sabido “ultrapassar com confiança e respeito mútuos algumas dificuldades que têm surgido e desenvolver relações estreias e intensas”.

Em Lisboa este comunicado é entendido como um gesto deliberado de entendimento. Até agora, as autoridades angolanas consideravam falta de autoridade do Estado matérias como a separação de poderes e a liberdade de imprensa. Com o comunicado da Presidência de José Eduardo dos Santos é entendido que esta percepção mudou.

“Como antigo responsável da diplomacia portuguesa, alegro-me que tudo esteja a evoluir no sentido positivo e que seja possível o reganhar de confiança e atingir o nível de excelência nas relações entre os dois países”, afirmou, ao PÚBLICO, Martins da Cruz, ministro dos Negócios Estrangeiros com Durão Barroso.

A importância, e o significado, do comunicado dos serviços de José Eduardo dos Santos contrasta com a frieza com que, há cerca de um mês, as diligências de Belém, foram recebidas em Luanda. Em 19 de Outubro, na cimeira ibero-americana na cidade do Panamá, Cavaco confirmou que estavam em curso diligências da Presidência de Portugal para ultrapassar os mal-entendidos. Dois dias depois, em novo editorial, o Jornal de Angola responsabilizou a cúpula do Estado português por “agressão intolerável”. Ou seja, as démarches de Belém não tinham conseguido desbloquear as relações.

A escalada de Luanda continuou, embora sem formalmente pôr em causa a realização da cimeira entre os dois países. Mas a data antecipadamente agendada após a visita a Luanda de Luís Campos Ferreira, secretário de Estado da Cooperação e dos Negócios Estrangeiros - Fevereiro de 2014 – parecia uma miragem.

Contudo, nos últimos 15 dias, o Ministério Público confirmou que concluíram sem acusação processos que envolviam altas individualidades angolanas e que tinham sido divulgados pelo Expresso em Novembro de 2012. Primeiro foi arquivada a investigação que visiva um depósito suspeito feito pelo Procurador-Geral de Angola, José Maria de Sousa, e já na semana passada foi divulgado que uma empresa cujo accionista único é um dos enteados de vice-presidente angolano recebeu e aceitou uma proposta do Departamento Central de Investigação e Acção Penal para pagar uma indeminização e, desta forma, ver suspenso o processo-crime por fraude fiscal, falsificação e branqueamento de capitais.

Finalmente,  na quarta-feira foi arquivado o inquérito que visava Manuel Vicente, vice-presidente de Angola e delfim de Eduardo dos Santos. Do mesmo modo, foram arquivadas as investigações sobre Francisco Carneiro, governador da província de Kuando Kubango, e a empresa Portmil.

 

Defesa de Manuel Vicente agradece

A defesa de Manuel Vicente, vice-presidente de Angola, agradece - numa exposição feita a pedir o arquivamento do caso - a “simpática referência” do procurador titular da investigação, Paulo Gonçalves, que num despacho regista o “…respeito e admiração de que é merecedor o vice-presidente de um país amigo como Angola”.

A transcrição desta exposição consta do despacho de arquivamento, um documento com 11 páginas a que o PÚBLICO teve acesso. Como noticiou esta quinta-feira o Diário de Notícias, o documento inclui um comentário do procurador que, no despacho, diz esperar contribuir para “o desanuviar do clima de tensão diplomática” entre Portugal e Angola. O procurador escreve que espera que a sua decisão “venha contribuir para o desanuviar do clima de tensão diplomática que tem ensombrado com mal entendidos a amizade entre os dois povos irmão, permitindo, conforme decorre de requerimentos apresentados, a realização de encontros e cimeiras sem estigmas infundados, numa reciprocidade de «bom senso»”. 

Contactada pelo PÚBLICO, a Procuradoria-Geral da República (PGR) recusou-se a comentar esta referência e a informar se a procuradora-geral Joana Marques Vidal emitiu alguma directiva relativamente aos processos que envolvem altos dirigentes angolanos. Ficou ainda por explicar se existe alguma justificação para o facto de, em pouco mais de 15 dias, o Ministério Público ter confirmado que concluiu sem acusação três processos que envolviam altas individualidades angolanas. “Neste momento a Procuradoria-Geral da República não faz qualquer comentário sobre o assunto”, limitou-se a responder a PGR.

“Em Angola, deram-se conta de que, finalmente, o Ministério Público (MP) começou a ter uma visão de política externa”, afirmou, ao PÚBLICO, um antigo diplomata. “Respeitando a Constituição Portuguesa e a independência dos poderes, foi compreendido que uma acção do MP pode ter repercussões na política externa”, concluiu.
 
 
 
 
 
 

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