Jardim deve um milhão à igreja que inaugurou na Madeira

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Governo regional concedeu em dez anos cerca de 100 milhões de euros em subsídios para obras e instituições religiosas. Grande parte ainda não foi pago, mas está agora obrigado a reduzir tais apoios.

A nova igreja do Atouguia, na Calheta, inaugurada no domingo com a presença do presidente do Governo Regional da Madeira , Alberto João Jardim, é o 14.º templo construído nas duas últimas décadas com financiamento público. Ao todo, custaram ao orçamento regional 18,6 milhões de euros, não incluindo as comparticipações das câmaras e do Centro Regional da Segurança Social.

Na maioria dos casos, as paróquias não receberam na totalidade as verbas atribuídas pelo governo regional, dado que, por dificuldades financeiras, tem protelado o cumprimento dos contratos com resoluções que repartem tais encargos pelos orçamentos de anos seguintes.

No decurso de 2011, o governo regional aprovou 11 resoluções a repartir até 2013 um total de 11,7 milhões concedidos para a construção de novas igrejas e salões paroquiais. Em dívida está ainda grande parte dos 6,6 milhões que deveriam ter sido pagos em 2011.

O grande problema é que agora, com o plano de resgate, Jardim está obrigado a uma redução mínima de 15% nos subsídios.

"Estamos a conversar com o Governo"

Relativamente à igreja do Atouguia a primeira transferência no valor de 750 mil euros deveria ser efectuada no ano passado e a segunda, de 250 mil euros, em 2012, aquando da conclusão da obra. Mas até domingo "nem um cêntimo" chegou, garantiu fonte diocesana.

"Estamos a conversar com o Governo sobre o assunto", declarou ao PÚBLICO o padre Silvano Gonçalves, escusando-se a confirmar a falta de pagamento de um milhão de euros prometido por Jardim. Da Câmara da Calheta espera 300 mil euros de comparticipação no custo da obra estimado em 1,75 milhões, não incluindo as peças de arte sacra adquiridas para o edifício projectado por Cunha Paredes, o arquitecto de quase todas os novos templos.

"O objecto do contrato-programa foi a construção da igreja paroquial do Atouguia, indispensável à comunidade paroquial e ao serviço socio-caritativo aos mais necessitados da Calheta, fornecendo infra-estruturas condignas e com o mínimo de conforto aos paroquianos", justifica o governo regional. O investimento é "uma obra com enquadramento no Plano de Desenvolvimento Económico e Social da Região Autónoma da Madeira 2007-2013", acrescenta a nota, adiantando que "a breve prazo será transferido um valor superior a 50% do constante no contrato".

A construção da nova igreja, numa diocese com 116 templos distribuídos por 96 paróquias (quase o dobro das 54 freguesias), é a concretização de um "sonho com meio século", diz o padre Silvano. Refere que, dos cerca de 1100 habitantes da localidade, "mais de 70% são praticantes" para os quais a antiga igreja "não era suficiente", para desenvolver outras actividades de cariz social.

Em grandes dificuldades económicas, devido à grandeza do novo centro social e paroquial, está a igreja do Livramento, no Funchal. É a igreja mais cara da ilha (6,9 milhões) e foi inaugurada com a presença de Jardim antes das eleições regionais 2004. O governo regional comprometeu-se com 3,5 milhões, o Centro Regional da Segurança Social com 500 mil euros e a Câmara do Funchal com 325 mil, ficando o restante à responsabilidade da paróquia.

Com a justificação de que a nova igreja iria dispor de um centro social, o executivo de Jardim expropriou terrenos que anexou aos adquiridos pela paróquia. Mas ao contrário do planeado, o governo regional não viabilizou o centro de dia, agora abandonado e a degradar-se, nem o infantário, que, já durante a sua construção, se tornou desnecessário com o surgimento de outro integrado na escola pública do Livramento.

Com parte alugada para creche particular, o centro social é hoje um "elefante branco" que domina o casario do Funchal, pouco acima da via rápida à cota 200. Desesperada, a construtora reclama mais de 800 mil euros em dívida desde a inauguração, há oito anos. Sem outra solução para a "pesada herança" que recebeu, o pároco João Carlos Gomes apelou aos paroquianos para que, com a "bênção do Espírito Santo", ajudem a encontrar "soluções de financiamento que permitam pagar o mais rapidamente possível".

Alerta de padre do Funchal

O desabafo é do responsável por uma das paróquias do Funchal. "O nosso povo está cansado de ser enganado, cansado deste circo", escreveu o padre José Luís Rodrigues. Através do seu blogue Banquete da Palavra, este pároco de São José e São Roque, no Funchal, apela à "responsabilidade e lucidez" dos seus colegas para que assim melhor possam dedicar-se às funções que lhes são próprias. Essencial, escreveu ainda, é "cumprir o nosso papel de acordo com o Evangelho de Jesus e não manietados com lógicas interesseiras deste mundo".

Segundo o pároco, "os subsídios não devem aprisionar nenhum padre às saias do altar, mas, sempre libertos, serem profetas, de pé diante da humanidade e só e unicamente de joelhos diante de Deus ", acrescenta. O padre defende tambem alguma contenção quando estão em causa verbas públicas. "Hoje, tendo em conta todas as dificuldades que o mundo atravessa, e, em particular, a nossa região, a Igreja devia distanciar-se daquele sorvedouro de dinheiros públicos que tanta falta fazem noutros domínios mais prementes à população da Madeira", escreve ainda.

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