Disseram que foi uma espécie de biografia

Foi apresentado inicialmente como biografia. Mas até o autor admitiu que António Guterres – Os Segredos do Poder deixou de o ser quando ainda nem sequer estava terminada

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Não foi uma vaga de fundo, nem uma concentração de bases socialistas. Foi apenas o lançamento de um livro, que o autor classificou como “biografia colectiva” de uma geração, que esta quarta-feira se organizou no Teatro Nacional de São Carlos. António Guterres – Os Segredos do Poder chamou ao Chiado um conjunto de personalidades que gravitam principalmente à volta do PS e PSD.

A iniciativa tinha o interesse extra de se debruçar sobre partes da vida de um nome que tem vindo a ser apontado como possível candidato a Presidente da República. E se o autor daquele espécie de biografia abordou o assunto, mais ninguém o fez. Nem sequer a responsável da editora. Zita Seabra, aliás, foi frontal nas razões da publicação da obra. A Aletheia publicava o livro porque as biografias estão na moda. E, estando na moda, “vendem-se”.

Os oradores convidados – amigos do visado – também não aproveitaram o ensejo para promover António Guterres. Tanto o socialista e maçon António Reis como o padre Vítor Melícias optaram por falar do livro. Este último para o arrumar na categoria das leituras possíveis que se podiam fazer de Guterres. Ou mais precisamente do “tempo histórico e do contexto político” em que este teve protagonismo. “Não o estou a ver a sentir-se aqui biografado”, disse o franciscano. Já António Reis aproveitou a ocasião para contestar alguns erros – nomeadamente as insinuações em relação à Mocidade Portuguesa e à Opus Dei constantes na capa – e concluir que o livro era “mais acerca do subtítulo do que sobre o título”. Ainda assim, destacou algumas “revelações surpreendentes” que a obra tinha permitido, sobre determinados momentos políticos.

O próprio autor reconheceu isso, ao admitir que a sua abordagem mudou. Apesar de ter começado com a intenção de escrever uma biografia, acabou por derivar para “uma biografia colectiva” sobre a geração política que se seguiu aos pais fundadores da democracia. Quis explorar, disse, “como é que tomam o poder e como é que o exercem depois”. E disse até que tinha visto como um “elogio” o facto de Guterres se ter demarcado do trabalho. De manhã, numa resposta escrita enviada à rádio TSF, o ex-dirigente socialista assumia respeitar o direito dos outros a terem as suas próprias interpretações, apesar de não se reconhecer no livro. Em causa estava uma hipotética candidatura às próximas eleições presidenciais, objectivo político a que o actual alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados afirma ser estranho.

Nos últimos dias foram apontadas imprecisões ao trabalho. Como as referências erradas à Fundação para a Prevenção Rodoviária, quando se pretendia abordar a entidade criada por Armando Vara, a Fundação para Prevenção e Segurança (FPS); e o processo de aproximação entre o PS e o Movimento Humanismo e Democracia (MHD), que aconteceu em 1994, antes de Guterres ser primeiro-ministro e não depois, como se afirma no livro. Até mesmo Reis confirmou o erro, num episódio relatado no livro, sobre uma palestra do maçon António Reis a que assistiu o jovem estudante do Instituto Superior Técnico António Guterres. Só que António Reis foi iniciado no Grande Oriente Lusitano (GOL) (Loja Estrela de Alva) nos finais da década de 90, portanto alguns anos depois de o jovem Guterres ter concluído os seus estudos no Instituto Superior Técnico.

Também duvidosa é a colocação do antigo dirigente comunista Luís Sá – principal protagonista do movimento Novo Impulso, na década de 90 – num grupo juntamente com João Amaral, Edgar Correia e Carlos Brito, que acabaram por sair deste partido. Esse não foi o caso de Luís Sá, que morreu em 1999 no seu gabinete de trabalho na Soeiro Pereira Gomes, na plenitude das suas funções como membro da Comissão Política do PCP, sendo considerado próximo de personalidades como Octávio Teixeira e Carlos Carvalhas, que não abandonaram o PCP.

Mas Adelino Cunha insistiu na hipótese presidencial. Para dizer que era preciso “esperar para saber o que ele [Guterres] quer”, depois de se “saber” quem será o líder do PS em 2015 e que Portugal existe no pós-resgate.

Pedro Passos Coelho, o actual primeiro-ministro, ainda chegou a tempo de ouvir essas premonições do jornalista que fez parte do grupo de assessores do seu Governo. Tendo ao seu lado o ministro da Cultura. Da direcção socialista, não havia ninguém presente. Apenas alguns actuais e ex-deputados e antigos ministros do engenheiro, como Vera Jardim. Mas a direita do poder parecia ter mais representantes na sala. Alguns deputados e até o candidato derrotado nas últimas autárquicas em Lisboa, Fernando Seara. Que estavam ali – percebeu-se ao longo do evento – mais pelo autor do que por Guterres.
 
 

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