Demissão de Paulo Júlio obriga Passos a mexer pela terceira vez no Governo

Pressão decorrente da acusação por um crime de prevaricação está na origem da demissão. Primeiro- -ministro apanhado de surpresa em visita ao Chile. Saída deixa em aberto eventual mini-remodelação.

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Paulo Júlio Rita Chantre/Arquivo

A demissão do secretário de Estado da Administração Local e da Reforma Administrativa, Paulo Júlio, formalizada ontem ao primeiro-ministro e ao ministro Miguel Relvas, que tutela as autarquias, vai obrigar Passos Coelho a mexer pela terceira vez no Governo. O primeiro-ministro terá sido surpreendido ontem com o pedido de demissão do governante, que foi acusado a semana passada pelo Ministério Público de um crime de prevaricação, por alegadamente ter favorecido, em 2008, um primo num concurso para chefe de divisão na Câmara de Penela, então presidida pelo secretário de Estado demissionário.

Passos aceitou ontem à tarde o pedido e informou numa nota do seu gabinete que Paulo Júlio será "oportunamente substituído no cargo". Na comunicação, o gabinete do primeiro-ministro "expressa o seu reconhecimento pela dedicação" com que o secretário de Estado desempenhou as suas funções e assinala "a importância do contributo dado para a concretização do programa de Governo em áreas particularmente importantes".

Com a saída de Paulo Júlio, fica em aberto a possibilidade de o primeiro-ministro fazer uma mini-remodelação, que pode passar pelo abandono do Governo do secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, Daniel Campelo, que, segundo o PÚBLICO apurou, terá já manifestado vontade de ser substituído.

A 12 de Março de 2012, Passos foi confrontado com a demissão de Henrique Gomes, secretário de Estado da Energia, que foi substituído por Artur Trindade. A 25 de Outubro, demitiu-se Francisco José Viegas, secretário de Estado da Cultura, vindo a ocupar o seu lugar Jorge Barreto Xavier. Então demitiu-se também Isabel Silva Leite, secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário que foi substituída por Henrique Dias Grancho. Na mesma altura foi separada a secretária de Estado das Finanças e Tesouro, continuando Maria Luís Albuquerque apenas com o Tesouro e entrando Manuel Luís Rodrigues para as Finanças.

Em dúvida mantém-se o eventual regresso de Paulo Júlio, de 43 anos, à presidência da Câmara de Penela, cargo que suspendeu em Junho de 2011 para assumir uma pasta no Governo. Contudo, o vice-presidente da autarquia, Luís Matias, amigo pessoal do secretário de Estado, não acredita que este retome funções autárquicas face à decisão de abandonar o Governo. "A acusação do Ministério Público, dada a conhecer a juristas, professores de Direito Penal e magistrados, é uma impossibilidade jurídica, não havendo assim qualquer fundamento para ele se ter demitido", afirmou Luís Matias ao PÚBLICO.

Ao final do dia, também o ministro Miguel Relvas reagiu à demissão, não poupando elogios a Paulo Júlio. "Ao longo deste 19 meses, o engenheiro Paulo Júlio comprovou, no exercício das missões que lhe foram confiadas, o zelo profissional, a capacidade de trabalho e a extrema competência que já havia demonstrado noutras etapas do seu valioso currículo político e profissional", sublinhou o ministro dos Assuntos Parlamentares.

Relvas destaca o "contributo decisivo que o governante deu para a reforma global e integrada da Administração Local (...) e que permite, a partir de agora, ter um poder local mais forte e mais vocacionado para servir ainda melhor os cidadãos". Paulo Júlio sai, no entanto, apenas com a reorganização do mapa das freguesias aprovado. Fica por concretizar grande parte da ambiciosa reforma do poder local, nomeadamente, a lei eleitoral autárquica.

A demissão acontece na sequência de uma acusação de prevaricação imputada a Paulo Júlio pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra, que foi conhecida esta semana. A acusação relaciona-se com o alegado favorecimento, em 2008, a um primo em segundo grau do até agora secretário de Estado num concurso para chefe de divisão na Câmara de Penela, município então presidido por Paulo Júlio.

O governante demissionário disse ontem à Lusa continuar tranquilo em relação a este processo. "Estou tranquilo em relação a este processo e reitero hoje [ontem] que foi precisamente por isso, e para ajudar ao esclarecimento dos factos, que há meses prestei declarações presencialmente, não tendo recorrido à prerrogativa do depoimento escrito", sublinha numa nota divulgada pela Lusa. E acrescenta: "Tal como já afirmei publicamente, trabalho há 20 anos em cargos de responsabilidade e nunca contratei, e jamais recrutarei, alguém por um critério familiar".

O secretário de Estado demissionário assegura que irá "requerer a abertura de instrução" e que está "convencido de que então ficará tudo esclarecido e demonstrada a total falta de fundamento da acusação".

Ainda a demissão não era publicamente conhecida e já o líder da distrital do PSD de Coimbra, Marcelo Gonçalves Pereira, reagia a ela, elogiando o desempenho e a "notável competência" de Paulo Júlio. "Num país onde toda a gente clama por reformas "no quintal do vizinho", mas todos exigem a preservação do seu statu quo, Paulo Júlio mostrou uma coragem ímpar e uma determinação férrea ao levar por diante reformas dificílimas que o país esperava há dezenas de anos (para não dizer mesmo há séculos)", disse o líder da distrital numa nota no Facebook.

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