Acompanhamento social e psicológico passa a obrigatório no aborto

Maioria acolhe algumas propostas da Iniciativa Legislativa de Cidadãos sobre "Direito a nascer"

Foto
Um quarto das mulheres que abortaram em 2011 já tinha feito IVG anteriores Rui Gaudêncio

As consultas de acompanhamento social e psicológico antes de uma interrupção voluntária da gravidez (IVG) vão passar a ser obrigatórias, segundo uma proposta da maioria PSD/CDS retirada da Iniciativa Legislativa de Cidadãos Direito a Nascer. A proposta de alteração da maioria “podia ir mais longe mas não conseguimos consenso”, admitiu ao PÚBLICO Inês Teotónio Pereira, deputada do CDS.

O acordo entre PSD e CDS foi conseguido na obrigatoriedade de frequentar as consultas de acompanhamento social e psicológico que até agora eram facultadas à grávida mas não eram obrigatórias. Esse acompanhamento passa a poder ser dado pelas instituições particulares de solidariedade social. Segundo o deputado social-democrata Carlos Abreu Amorim, citado pela Lusa, esta medida visa reforçar o “consentimento informado da mulher”.

O texto entregue na Assembleia da República, e que será votado amanhã na especialidade, justifica estas alterações no acompanhamento com a necessidade de garantir, “em tempo útil, o acesso efectivo à informação e ao acompanhamento obrigatório” previsto. Assim, “os estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos, para além de consultas de ginecologia e obstetrícia, devem dispor de serviços de apoio psicológico e de assistência social dirigidos às mulheres grávidas”, lê-se no texto.

A proposta de alteração da maioria PSD/CDS aproveitou ainda outro ponto da iniciativa de cidadãos que pretendia retirar os benefícios às mulheres que pratiquem IVG. Um deles é que os médicos que aleguem objecção de consciência passem a ter de estar presentes nas consultas das grávidas e não fiquem excluídos como acontecia nos termos da actual lei em vigor. Fica ainda reforçado este direito ao consagrar na lei que “tem carácter reservado, é de natureza pessoal, e em caso algum pode ser objecto de registo ou publicação ou fundamento para qualquer decisão administrativa”.

De fora da proposta da maioria ficou a obrigação de a mulher assinar a ecografia antes de abortar como pretendiam os promotores da iniciativa legislativa de cidadãos ou as questões relacionadas com subsídios atribuídos à mulher. As bancadas do PSD e do CDS já tinham acolhido, num projecto próprio, a obrigação de pagar taxas moderadoras, deixando apenas excluídas as mulheres que estão isentas por lei - como é o caso de a utente ter alguma doença crónicas ou por falta de condições económicas. 

A Iniciativa Legislativa de Cidadãos intitulada "Direito a Nascer" reuniu 48 mil assinaturas e deu entrada em Fevereiro passado na mesa da Assembleia da República.

"Retrocesso", diz o PCP; "inconstitucional", reclama o PS
O PCP é contra a obrigatoriedade das consultas de acompanhamento social e psicológico antes de uma IVG. Citada pela Lusa, a deputada Paula Santos argumentou que estas consultas têm como objectivo "condicionar a livre decisão da mulher e criar obstáculos” para “atrasar o processo”, para que este se arraste e as mulheres se vejam confrontadas com os prazos legais.

As propostas “vão no sentido de um profundo recuo e retrocesso no acesso aos direitos sexuais e reprodutivos", acrescenta a deputada comunista, que diz ainda que tanto os dois partidos de direita como os signatários desta iniciativa legislativa de cidadãos “claramente nunca aceitaram a decisão democrática do povo português no referendo”.

A 'vice' da bancada do PCP sublinhou que "os dados da Direcção-Geral de Saúde são muito claros: desde 2011 que não se regista a morte de nenhuma mulher na sequência da interrupção de uma gravidez". "Só este elemento - há muitos outros -, devia fazer-nos olhar para esta conquista como uma grande conquista das mulheres e do povo português, que se deve manter", declarou, sublinhando que desde a aprovação da lei tivemos uma evolução significativamente positiva do acesso aos direitos, do acesso à saúde, do respeito pela livre decisão".

Os socialistas subscrevem as críticas. A deputada Isabel Moreira defende que as consultas obrigatórias são uma medida “incompreensível e completamente inconstitucional”.

"Sem qualquer base científica ou suporte exige-se que as mulheres nos três dias em que solitariamente têm de reflectir devem ter aconselhamento por um psicólogo e um técnico de serviço social? As mulheres são dadas por inimputáveis? Uma mulher não consegue decidir sozinha?", questionou.
À Lusa, Isabel Moreira sublinhou que o aconselhamento psicológico e os recursos de serviço social já são disponibilizados às mulheres que fazem uma IVG, conforme foi relatado pelas diversas entidades ouvidas na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, entre as quais o conselho de administração da Maternidade Alfredo da Costa.

Quanto ao fim de um registo para objectores de consciência, a deputada do PS interroga-se de que forma os hospitais se vão organizar e sublinha que o objectivo é a participação destes médicos em consultas a mulheres que vão fazer uma IVG, quando esses profissionais "não têm condições de neutralidade" para isso.

Isabel Moreira critica também o processo que levou à apresentação destas alterações, que começou com uma baixa à comissão sem votação da iniciativa de cidadãos e do projecto da maioria para a introdução de taxas moderadoras na IVG, para esta quinta-feira de manhã ser confrontada com "alterações violentíssimas num papel e sem suporte electrónico" quando as mudanças deviam ter sido disponibilizadas na véspera. "Não se altera uma lei desta importância desta forma. É de uma grande deslealdade parlamentar", acusou.

"Menorização" da mulher, aponta BE
O Bloco, pela voz da deputada Helena Pinto, considera que estas consultas se inserem numa "lógica de menorização" e de não reconhecer o direito da mulher a tomar essa decisão.

"A lei prevê, e bem, a disponibilização às mulheres que o peçam de aconselhamento psicológico. A obrigação de apoio psicológico, para quê? Obrigação de aconselhamento por um técnico de apoio social, porquê? Então as mulheres que têm a sua vida estável economicamente são obrigadas a ver um técnico de serviço social?", questionou Helena Pinto.

"Parece que a maioria se esqueceu daquilo que o povo português votou em 2007 em referendo e que foi aprovado por uma expressiva maioria no Parlamento. Os promotores da iniciativa legislativa de cidadãos nunca aceitaram o resultado do referendo e queriam ultrapassá-lo, mas a maioria não se pode esquecer do que foi perguntado no referendo", argumentou. Helena Pinto considera que as alterações propostas pela maioria "vêm adulterar o espírito da lei", o que, além do mais, acontece "no final da legislatura, à beira de eleições", questionando também o papel atribuído às IPSS.

Sugerir correcção
Ler 57 comentários