Cartas à directora

Zelo

Raras vezes a expressão “greve de zelo” foi aplicada com tão grande propriedade como na greve que os sindicatos da PSP puseram recentemente em prática, protestando contra a lentidão do governo em lidar com as suas reivindicações de classe. Os sindicalistas explicaram que as forças policiais iriam, durante a greve, adoptar uma atitude pedagógica em contraste com a habitual atitude repressiva, esperando, desta forma, pressionar o governo no sentido de satisfazer as suas pretensões. Ou seja, por um curto período de tempo, as forças policiais irão zelar, de facto, pelo cumprimento das leis, suspendendo a sua implacável prática da caça à multa e cassetete no toutiço, com que normalmente reprimem os cidadãos no quotidiano.

Mário Andrade, presidente do Sindicato dos Profissionais de Polícia, afirmou (conforme a capa de O Polícia, boletim informativo do sindicato, de Dezembro de 2014) “Os direitos dos polícias estão acima de tudo!” Isto é muito grave e contraria nitidamente a afirmação de que a “PSP tem por missão assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, nos termos da Constituição e da lei”, conforme podemos ler no site da instituição. Qual é, afinal, o papel da PSP?

Bem sei que estamos longe dos polícias analfabetos, fardados de cinzento, com os botões de latão a saltar-lhes na pança e os bonés encarrapitados no alto de cabecinhas malévolas, como era de lei nos tempos da “outra senhora”. Hoje, a formação da maioria dos agentes, fardados de azul e com elegantes bonés tipo baseball, é mais do que suficiente para que tenham uma atitude cívica condizente com o que se espera de uma força de segurança numa sociedade democrática. No entanto, este episódio aparentemente inócuo, mostra bem que, entre o que se diz e o que se pratica, há um enorme gato escondido com muito mais do que o rabo de fora.

É por estas e por outras que, apesar de me considerar um cidadão respeitador da lei e de não ter razões para recear contactos com as forças policiais, ainda hoje, quando vejo um polícia fardado, não consigo evitar que a primeira coisa que me vem à cabeça seja a palavra “bófia”.

A polícia deveria marcar uma eterna greve de zelo.

Rui Silvares, Cova da Piedade

Noção elementar das coisas

Os meninos e as meninas de Bolonha são todos mestres ou mestres em potência e, sem saberem ler e escrever, fazem brotar, com alma de "empreendedores", estantes e estantes de novas e lindas teses que dão um trabalho massacrante a tantos revisores e correctores de texto. No entanto, o grande problema não é que esses meninos e essas meninas escrevam tão mal, é não terem a noção de que maltratam tanto esta língua-mãe num nível atroz de violência doméstica. Não sei bem o que faça, mas por agora limito-me a propor às autoridades catedráticas da nação uma nova cadeira que se torne transversal — como diz o eduquês universal a todos os cursos universitários: Noção Elementar das Coisas.

Nelson Miguel Bandeira, Porto 

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