À procura da felicidade

É algo que desejamos. Um tema de que todos falamos. Mas se é frequente afirmar que queremos ser felizes, não será tão comum pensar no que é afinal isto da felicidade. É certo que surge como meta de vida mas não será este um assunto tão subjectivo que se torna difícil caracterizá-lo?

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Procurámos a opinião de vários especialistas e investigadores para nos ajudarem nesta busca da felicidade. “Sabe-se hoje que a felicidade se treina e educa, e que ser feliz não é estar sempre a sentir-se bem, ser materialista ou ser cego ao negativo da vida - tal como comparar-se com quem tem mais, viver agarrado a ressentimentos ou não ter relações significativas com outros. Tudo isto destrói a felicidade”, explica Helena Águeda Marujo, coordenadora da Unidade de Missão ISCSP - Wellbeing.

Nas consultas de coaching que dá, Teresa Marta, coach e CEO da Academia da Coragem, defronta-se com a procura incessante pela felicidade que está hoje “a tornar-se muito angustiante: condiciona as nossas decisões, o modo como nos relacionamos com os outros, as amizades que escolhemos e os empregos que desejamos”, afirma.

As relações sociais surgem como um dos aspectos essenciais neste estado. E a felicidade resulta de uma complexidade de variáveis que “inclui uma dieta de emoções positivas que ajudam a transcender as negativas, a percepção de satisfação global com a vida, a presença de um sentido para a vida, e conhecer e aplicar as melhores virtudes pessoais. Maior felicidade associa-se a longevidade, sistema imunitário mais robusto, maior saúde cardiovascular, melhor recuperação de doenças, superior nível de cuidado pessoal (alimentação,

exercício...), mais produtividade, criatividade e acções solidárias.

Teresa Marta lembra que “a busca da felicidade faz-nos esquecer que ela também está em coisas simples, que assumimos como adquiridas. Corremos o risco de viver a vida inteira à procura da felicidade, quando ela sempre nos acompanhou”.


O que sabe a ciência sobre felicidade?

Desafiámos alguns investigadores premiados ao longo dos anos com os Prémios Pfizer de Investigação para partilharem o que a ciência já descobriu sobre a felicidade ou simplesmente darem a sua opinião sobre este estado. “A ciência e cada um de nós individualmente sabe muito pouco. Sabemos que, em países desenvolvidos, as preocupações do dia a dia e o stress estão associados a uma redução do bem-estar”, explica o médico reumatologista João Eurico Cabral da Fonseca.

Nestes países, a felicidade acompanha inversamente o stress e as “preocupações” e “tem uma curva em ‘U’ ao longo da vida, com níveis mais baixos na década dos 40 e dos 50 anos, o que não parece ser verdade em países com índices de desenvolvimento muito baixos, onde os níveis de preocupação e stress são semelhantes ao longo de toda a vida e o bem-estar é homogeneamente baixo ao longo da vida”, explica.

E nos países de desenvolvimento intermédio? “Nestes, os níveis de preocupação parecem aumentar com a idade e, inversamente, a felicidade diminui progressivamente ao longo da vida”.

Em todas as realidades, sabe-se que “a dor física e a doença crónica influenciam negativamente a felicidade, sobrepondo-se a outros factores”, explica João Eurico Cabral da Fonseca. E depois, surge uma espécie de ciclo vicioso: as doenças têm enorme impacto no bem-estar mas também os baixos níveis de felicidade “influenciam o aparecimento de outras patologias condicionando a esperança média de vida”.

Como ter mais anos de vida felizes? “Apostando na melhoria das condições possíveis de tratamento para as doenças crónicas e consciencializar a sociedade para a importância de gerir a preocupação e o stress, principalmente na quarta e quinta décadas de vida”, sugere o reumatologista.

Não se considera a pessoa indicada para falar sobre o que é que a ciência descobriu sobre a felicidade mas defende que é “uma pessoa muito qualificada para falar sobre a felicidade de fazer ciência”, defende Luís Graça, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e investigador do Instituto de Medicina Molecular (IMM). “Na minha vida, tive de tomar opções sobre o tempo de trabalho a dedicar à investigação. Sou médico e sempre considerei que a investigação era uma das profissões onde se consegue ter mais felicidade mesmo quando percebemos que estamos errados”, defende. Percebeu, ao longo dos anos que muitas teorias em que verdadeiramente acreditava, não estavam certas. “A ciência é constantemente uma lição de humildade no sentido em que produzimos ideias fantásticas que a natureza se encarrega de demonstrar que estão erradas”, defende. E não há qualquer problema. “É uma questão de tempo até encontrarmos o caminho certo novamente”.


O cérebro comanda tudo

“Córtex cingulado. Córtex Pré-frontal. Ínsula. Estas são áreas do cérebro ativadas quando nos sentimos felizes. Mas se lhe disser as mesmas são ativadas pela tristeza ou pela raiva?”, começa por questionar Henrique Veiga Fernandes, investigador principal no IMM e na Fundação Champalimaud. Confuso? Talvez. É por isso uma tarefa difícil, também para a ciência, definir a felicidade. “Aparece associada com frequência a outros conceitos como o bem-estar, o prazer ou a satisfação. A ideia de felicidade remete-nos a vivências muito próprias, mas que, por certo, ombreiam ou escondem conceitos de filosofia e psicologia. Vejamos: Epicuro defendia que a procura do prazer e a ausência de sofrimento são o caminho para a felicidade (corrente hedónica). Já Aristóteles referia que a felicidade se encontrava numa vida de virtude (corrente eudemónica). Onde se situa o leitor? Provavelmente entre estas duas concepções”.

Várias teorias, milhares de artigos, livros de auto-ajuda e palestras sobre a felicidade. Dúvidas, muitas dúvidas. O desejo, esse vai continuando lá, e é intrínseco a cada um de nós.

“Entre o rito hedónico e eudemónico, procuramos os caminhos que conduzem a este sentimento por vezes efémero e intangível que é a felicidade. Porventura, a poesia e a música ter-nos-ão aproximado da definição de felicidade como nenhuma outra forma de arte humana. Mas, se e é verdade que a felicidade é ainda uma interrogação para a ciência, é também claro que a ciência nos tornou mais humanos, e isso não é pouco”, conclui Henrique Veiga Fernandes.