Chefs vão criar novas receitas com os produtos da Beira Interior

Associação internacional de chefs junta-se ao município do Fundão para dar visibilidade a queijos, carnes, enchidos, azeite, pão e vinho. Poderá a estratégia da cereja ser repetida?

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Concelho produz cerca de seis mil toneladas anuais de cereja PÚBLICO/Arquivo

Esta associação internacional de figuras ligadas à gastronomia, que tem como principal representante em Portugal o chef Benoit Sinthon (do Il Gallo D’Oro, do Funchal), vai assinar com a Câmara do Fundão um protocolo no qual se compromete a colaborar nessa divulgação dos produtos da região.

“Queremos divulgar os produtos, as matérias-primas, mas também as técnicas e outros aspectos da confecção”, disse ao PÚBLICO Benoit Synthon. “Vamos trabalhar com as Escolas de Hotelaria locais para mostrar à nossa juventude que escolheu esta profissão que Portugal já tem os melhores produtos e ensinar-lhes técnicas novas.”

Inspirados pela figura do grande chef francês Auguste Escoffier (1846-1925), os mais de 45 mil membros da associação, que foi criada em França em 1954 e hoje está espalhada por todo o mundo, têm como missão precisamente trabalhar com os estudantes de cozinha, partilhando os seus conhecimentos e mantendo, por um lado, o respeito pelas grandes tradições culinárias mas, por outro, promovendo a sua evolução.

Em Portugal, a associação está presente desde 2010. “No primeiro ano tivemos 50 membros”, conta Benoit Sinthon. “Depois fomos crescendo. Temos vários chefs como Albano Lourenço, Joachim Koerper, Ricardo Costa, mas também enólogos como Paulo Laureano ou gastrónomos como José Bento dos Santos.” No Fundão, durante este fim-de-semana, vão estar Benoit Sinthon, Henrique Sá Pessoa, Miguel Laffan e Vincent Farges que, para além do jantar desta sexta-feira, farão, durante a tarde de amanhã, demonstrações de cozinha ao vivo.

“Vamos aproveitar a Festa da Cereja [de 12 a 14], evento que se tornou a montra de uma estratégia que teve como objectivo tornar competitivo um produto endógeno”, explica Ana Abrunhosa, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC). “A ideia é pegar agora em vários endógenos da Beira Interior, as cerejas, a carne e enchidos do Fundão e da Guarda, os azeites, os queijos, o pão e as ervas aromáticas e os vinhos de quatro adegas do Fundão e desafiar chefs de renome para reinventar e explorar novas utilizações.”

“Queremos mostrar que não há regiões condenadas e que a tradição pode ser fonte de competitividade”, sublinha Ana Abrunhosa. “O que é preciso é que os produtos sejam posicionados no mercado de forma competitiva. Para isso é preciso haver escala e para tal é muito importante que os produtores se organizem. A CCDRC está disposta a ajudar a organizar essas redes de distribuição, aproveitando os apoios do novo programa comunitário.”

Nem todos têm que seguir a estratégia das cerejas porque, diz a responsável, “os produtos têm especificidades”. Mas vale a pena olhar com atenção para o que foi feito com a cereja do Fundão. “Conquistámos notoriedade para uma marca que hoje parece de sempre mas que tem sete ou oito anos, que é a Cereja do Fundão”, explica o presidente da Câmara do Fundão, Paulo Fernandes. “Conseguimos passar para o consumidor a percepção do valor do produto.”

Um dos objectivos desde o início, diz o autarca, era conseguir que a cereja fosse paga aos produtores a um preço justo. “Precisávamos de aumentar o valor para que se passasse a pagar o devido preço”. E isso foi conseguido, afirma, com orgulho. “No ano passado batemos o recorde do preço pago ao produtor: cerca de dois euros por quilo, em média.”

Actualmente, a cereja está já num processo de internacionalização. “Estamos a entrar no mercado francês, numa cadeia de distribuição, e através da venda directa em alguns bairros de Paris, como um parceiro”.

Outra vertente fundamental foi a criação de subprodutos (e é aí que entra o trabalho dos chefs, mas também o lado de investigação, com o qual se está, por exemplo, a explorar o potencial de aplicação da cereja na cosmética). O mais conhecido é o pastel de cereja – “nos últimos meses vendemos mais de 250 mil”, afirma Paulo Fernandes – mas estão neste momento a ser lançados outros, como o iogurte com polpa de cereja (também esta já certificada). Estes produtos permitem que a cereja do Fundão continue presente, sob outras formas, ao longo do ano, e não apenas na sua época que é o início do Verão.

Essencial também foi conseguir que os produtores se organizassem. “Inicialmente existiam mais de 150 canais de distribuição, era a dispersão total.” Hoje existe uma empresa em que os produtores detêm 90% do capital (embora a Câmara seja a proprietária da marca Cereja do Fundão).

É esse trabalho que é preciso fazer agora com outros produtos para os quais, segundo Ana Abrunhosa, “o problema do escoamento ainda persiste”. Além disso, é preciso sensibilizar a restauração local. “Não podemos ir à Beira Baixa e encontrar nos restaurantes o mesmo que comemos em Lisboa.” E, com a ajuda dos Discípulos de Escoffier, em breve haverá novas receitas para os produtos locais.

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