Thomas, o pastor alemão

Músico, meio engenheiro, agricultor, pastor e homem do mundo, Thomas viveu 30 anos em Portugal, a reinventar a ligação tradicional entre o monte e a área agrícola.

Thomas voltou para a sua Alemanha. Não sei, nunca lhe perguntei, se dizer que voltou para a sua Alemanha estará mais certo do que dizer que deixou o seu Portugal.

Viveu em Portugal 30 anos, onde, passo a passo, foi comprando terra e alargando uma quinta na qual desenhou e construiu o seu sistema autónomo de produção de electricidade e criou vários filhos.

Como qualquer produtor com desvantagens nos factores de produção, não sobreviveu competindo pelo preço, mas pela diferenciação. Produzia um excelente queijo de cabra, que naturalmente não poderia ser barato.

Quando lhe perguntava se os queijos, apesar do preço, se vendiam bem na feira, dizia, a rir-se, que dependia de quem estava a fazer a venda: a filha, muito mais bonita, vendia-os em metade do tempo.

Do que verdadeiramente gostava de falar era do rebanho de mais de cem cabras que todos os dias ia levar ao monte e que alimentava apenas com os produtos da quinta, incluindo os suplementos alimentares que ele próprio produzia para garantir uma boa produção de leite.

Ao contrário do que diziam muitos técnicos sobre a especialização produtiva, a sua exploração era viável por reinventar a ligação tradicional entre o monte e a área agrícola.Tudo isto lhe permitia a vida que tinha escolhido, não abdicando da liberdade de não depender de ninguém.

Sempre foi olhado com desconfiança pelo poderes locais, como vários dos estrangeiros que por ali moram, apesar das suas mais de cem cabras fazerem um serviço de limpeza de matos incomparavelmente mais eficiente e barato que a equipa de sapadores que os contribuintes pagam.

Foi essa desconfiança que fez com que nunca tivessem ligado às suas chamadas de atenção para o risco criado por uma estrada mal construída. Num dia de chuva mais intensa, lá veio a previsível enxurrada que o empurrou, entre outros factores, para fora de Portugal.

Músico, meio engenheiro, agricultor, pastor e homem do mundo, Thomas não é com certeza o agricultor mais típico que conheci. Mas estava longe de ser o único que nega a ideia de que agricultura e pastorícia são coisas de um passado que apenas subsiste por inércia.

Conto muitas vezes como resolveu um problema de gestão complicado.

As cabras são animais muito inteligentes. Muitas vezes Thomas não tinha de as ir buscar ao monte porque vinham sozinhas para o curral. Mas, quando isso não acontecia, era forçoso ir buscá-las. E localizar cabras no monte pode ser uma tarefa muito demorada.

Thomas, como muitos agricultores noutras situações, resolveu de forma prática e barata o problema, inovando: comprou um telemóvel, registou o número no Google, pendurou-o no pescoço de uma das cabras líderes do rebanho. Quando queria saber onde as procurar, ligava para a cabra e no seu computador portátil verificava onde estava a tocar o telefone.

A inovação também existe nos sectores mais antigos da produção, nós é que muitas vezes desistimos antes de tempo, à espera que o Estado nos resolva o problema.
 
 

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