Teoria e prática das filas num dia normal

Devo ter gasto mais tempo em filas do que no transporte em si, um mal clássico da elevada densidade demográfica.

Com a Primavera mesmo aí na esquina, o sol já brilhava quando acordei às 6h30. O meu plano para a jornada estava dividido em duas partes. A primeira só dependia de mim – tomar banho, beber café, escovar os dentes, vestir o casaco e pedalar até à estação. A partir daí tudo passava a estar entregue a factores ingovernáveis. E durante todo o dia, enfrentei sucessivamente o sintoma mais irritante de que somos sete mil milhões sobre a Terra: as filas.

Permanecer alinhado, em ordeira submissão geométrica, à espera de um serviço, um produto, um destino ou uma salvação, é das facetas mais curiosas da existência humana. A minha primeira experiência do dia foi logo na estação. Sim, porque ali onde estava, num país de latitude elevada e maneiras bipolares – ora cordatas, ora selvagens –, o povo enfileira-se obedientemente nos pontos do cais onde as portas das carruagens hão-de se abrir.

Optei pela fileira mais curta e, naturalmente, dei-me mal. Era a da primeira classe. Quando o comboio chegou, corri para a aglomeração adjacente e fui o último a entrar na carruagem, onde só restava lugar para viajar de pé, em postura côncava entre uma cabeça e uma axila.

À chegada, numa grande estação metropolitana, havia filas para sair do comboio e filas para passar as cancelas. Para descer as escadas rolantes idem, e aí fui vítima da minha própria ganância. Havia uma longa linha encostada à direita, um conta-gotas de gente inserindo indivíduo a indivíduo nos degraus móveis. Notei que, do lado esquerdo, o caminho estava livre e não tive dúvidas. Era afinal o corredor dos apressados, aqueles que descem as escadas rolantes sem parar, ao dobro da velocidade. Eu, que queria descanso, tive de acelerar o passo, coagido pela repugnante vaporização da impaciência alheia na minha nuca.

Cheguei ofegante ao cais do metro, onde os passageiros também aguardavam em enormes bichas pela sua hora de entrar para aquela lata de sardinha. Impaciente, testei três postulados da teoria psicológica das filas. O primeiro é o de que tendemos a olhar para a que está a andar mais rápido e assim achamos que a nossa é a mais lenta, sem notar que há outras ainda piores. O segundo tem a ver com o tempo que aguentamos sem desistir, um rácio entre o valor do nosso objectivo e os minutos já investidos na empreitada.

Capitulei quando passou o quinto comboio e eu mal me movera. Apanhei o metro no sentido contrário, andei uma estação para trás e aí, menos esmagado, voltei a entrar para a direcção certa, gastando o dobro do tempo mas provando o terceiro postulado: mais vale estar andando do que parado.

Até para apanhar um dos seis elevadores do edifício que era o meu destino havia carreiras de pessoas. E sempre que um “plim” anunciava a chegada de um, eu estava no sítio errado, à porta de outro. 

Devo ter gasto mais tempo em filas do que no transporte em si, um mal clássico da elevada densidade demográfica. Muitos aproveitam esses momentos mortos para tomar café ou mastigar alguma coisa – um paliativo que entope os caixotes de lixo com embalagens descartáveis. 

Até para comprar o café ou seja lá o que for, porém, há gente em extensas linhas nas lojas e supermercados. Vigilante, o capitalismo selvagem não perdeu tempo e inventou a genial táctica de dispor prateleiras adicionais ao longo dos clientes em espera, para acalmar-lhes os ânimos e dar-lhes a oportunidade de levarem mais alguma coisinha de que não precisam. E assim criou-se o primeiro axioma da insustentabilidade das filas: mais vale estar comprando do que parado.

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