Barragens e sustentabilidade

Podemos questionar se é mais sustentável ter um rio “selvagem” ou transportes com menos consumo de combustíveis fósseis.

Considera-se que há uma margem de melhoria muito grande no uso de soluções, na gestão sustentável da energia, que estão disponíveis e comercialmente maduras, como é o caso da água quente solar, da generalização de princípios construtivos que diminuam as necessidades de aquecimento e arrefecimento activos ou da melhoria dos transportes públicos.

Por isso, há quem se espante que ainda se invista em produzir mais energia (com frequência está a falar-se de electricidade, que é uma pequena fracção do consumo energético do país) a partir de barragens, em vez de usar o sol ou investir na eficiência energética. De maneira geral estas pessoas concluem que as barragens são uma opção pela insustentabilidade, enunciando os seus inegáveis impactos negativos, em especial na biodiversidade.

Aos que acham insustentável o crescimento do consumo de electricidade pergunto se não há ganhos de sustentabilidade no aumentar o transporte de mercadorias e pessoas por comboio. E se esse aumento não implica a electrificação de toda a rede de caminho-de-ferro e consequente aumento de consumo de electricidade.

O mesmo raciocínio se aplica à possibilidade de termos transportes públicos urbanos mais electrificados: expansão das redes de metro e comboios suburbanos e uso de veículos eléctricos onde forem competitivos.

Podemos questionar se é mais sustentável ter um rio “selvagem” ou transportes com menos consumo de combustíveis fósseis.

Chamar “selvagem” a um rio, por exemplo, o rio Sabor, fica muito bem nos jornais e televisões, mas é um disparate quando estamos a falar de rios cheios de açudes, moinhos, com leitos de cheia ocupados pela agricultura mais produtiva, as encostas rapadas pelo pastoreio e quase sem matas ripícolas dignas desse nome, pese embora a extraordinária recuperação que se está a verificar nos últimos 50 anos.

Não significa que o valor patrimonial do rio não seja grande, que a sua paisagem não seja admirável e que não haja perdas muito importantes, se se fizer a barragem; significa apenas que chamar “selvagem” ao rio é uma opção por colocar a discussão no plano das emoções e não da racionalidade (declaração de interesses, sou, há muitos anos, contra a construção da barragem do Sabor). E, colocada a discussão no plano das emoções, pode então esquecer-se a racionalidade da opção de construir a barragem.

Mas vejamos. O sistema electroprodutor tem de estar dimensionado para o máximo do consumo. Como o consumo é irregular, em muitas horas o sistema de produção tem de estar parado. Quanto maior for a flexibilidade do sistema, mais racional pode ser a gestão da produção em função do consumo.

As barragens, que permitem acumular água quando estão paradas e começar a produzir em minutos, são um elemento fundamental para essa flexibilidade e consequente racionalidade e sustentabilidade.

Mais até que a electricidade produzida pela barragem do Sabor, o seu interesse estratégico consiste em criar um reservatório de água a montante de uma parte da cascata de barragens do Douro. A produção dessas barragens está muito limitada pelos caudais existentes no Verão. Mas com um reservatório a montante, com capacidade para acumular água no Inverno dos anos chuvosos, é possível injectar electricidade na rede em minutos a partir da produção do Sabor, quando ela é necessária, mesmo que estejamos no Verão.

E a água que vai passar pelas turbinas da central da barragem do Sabor vai depois passar pelas turbinas de todas as barragens a jusante (Valeira, Régua, Carrapatelo e Crestuma), pelo que a sua produção se multiplica e pode ser programada em função das necessidades de consumo das horas de ponta.

Como disse acima, nem o facto de reconhecer a extraordinária importância da barragem do Sabor (ou do Côa, que era, aliás, mais importante deste ponto de vista) me impede de ser contra a construção da barragem por uma razão simples: as comunidades vegetais dos leitos de cheia do Douro e afluentes (a maior parte das quais está hoje debaixo de água) constituem isolados geográficos que evoluem autonomamente desde a última glaciação.

Cortar, ad aeternum, uma linha de evolução, em benefício de uma produção temporária (ainda que por uma centena de anos) de electricidade, corta-me o coração (de um ponto de vista estritamente racional não há solução para o dilema) e é suficiente para eu ser contra a barragem.

Mas o facto de eu saber que os meus argumentos são difíceis de explicar e que, por isso, corro o risco de perder esta guerra, não me leva a aceitar desviar a discussão do plano da racionalidade, procurando reconhecer todos os argumentos (aqueles com que simpatizo e os outros) tal como eles são.

Para mim a reputação é o único activo com que podemos contar para ganhar a guerra da sustentabilidade, mesmo perdendo algumas batalhas importantes.

Racionalmente vai ser preciso produzir mais energia para manter os três pilares da sustentabilidade: económico, social e ambiental. As barragens serão, ao mesmo tempo, problemas e soluções.

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