“Pai do surf português? Isso faz-me sentir velho. Talvez seja o padrinho”

Tiago “Saca” Pires Pioneiro no circuito mundial, viu o surf transformar-se numa modalidade milionária. Quando deixar a competição não exclui a hipótese de se dedicar às ondas gigantes como as da Nazaré.

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Aos 33 anos, o mais reconhecido surfista português diz que o dia de abandonar a prancha ainda está longe, mas confessa que sonha encerrar a carreira com chave de ouro: disputar uma final e, quem sabe, vencer uma prova. Uma lesão bastante grave fez com que perdesse praticamente a época inteira, mas Tiago “Saca” Pires tem garantida a continuação no circuito mundial em 2014 graças a um convite da organização.

Como está fisicamente?

A lesão não parecia complicada mas acabou por ser chata. Nunca tinha estado tanto tempo parado. Estava no melhor pico de forma que alguma vez senti.
 

Vai cumprir em 2014 a sétima época no circuito mundial. A experiência tem correspondido às expectativas?


Sim. Claro que as coisas não foram tão consistentes como gostava, mas o nível é o mais alto do mundo. Ganhar é quase ir contra a natureza: Portugal é um país sem tradição nenhuma de surf. Fui o primeiro atleta [português] a fazer o circuito e, de repente, vejo-me a competir com atletas que são campeões...


 


O que faltou para os resultados serem mais consistentes?


Saber gerir as emoções. É uma experiência nova e às vezes cometemos erros. Ainda não consegui fazer nenhuma final. Tenho três ou quatro meias-finais e fazer uma final é algo que ocupa muito a minha mente. Queria fechar com chave de ouro, talvez ganhar uma prova antes de me retirar.


 


Já pensa em retirar-se do surf?


Não, não penso. A idade, a “esperança média de vida” de um sufista de alta competição tem aumentado. É um desporto mais sério, com muito mais dinheiro. Sinto-me muito bem de saúde, tirando esta lesão, claro. Posso competir talvez mais cinco anos. Não penso numa data [para me retirar]. É claro que tenho 33 anos, não posso dizer que sou um atleta jovem. Não sou. Mas o Kelly Slater tem 41 anos...


 


Exacto, há vários exemplos de longevidade no surf.


Sim. Antigamente a idade média era muito mais baixa porque os surfistas não tinham os meios de que dispõem agora. A coisa não envolvia tanto dinheiro, logo a seriedade com que se trabalhava era menor. O surf estava associado a um estilo de vida de festa, rock‘n’roll, drogas... e os atletas “acabavam-se” muito mais cedo. Um atleta de alta competição de surf, hoje em dia, respeita o corpo, dorme à hora certa, tem preparador físico.


 


Ainda se lembra da primeira vez que pegou numa prancha de surf?


Foi numas férias de Verão, na zona da Ericeira, tinha 11 anos. Eu fazia bodyboard e o meu irmão mais velho já fazia surf. Houve um dia em que ele me disse: “Amanhã vais fazer surf, quer queiras quer não queiras. Nem que seja amarrado”. Fiquei assustado, mas experimentei no dia seguinte à tarde, pus-me logo em pé e senti algo que o bodyboard não me proporcionava. Um desafio diferente. Comecei por fazer só durante as férias. Aos 13 anos tive o meu primeiro patrocínio. E foi uma coisa quase vertiginosa. Evoluí muito, fiz resultados muito bons e começaram a apostar mais e mais. Aos 16 anos comecei no circuito europeu, já faltava um bocado às aulas... E aos 18 lancei-me no mundial.


 


O panorama do surf em Portugal mudou muito nestes anos?


Completamente, passámos de um desporto que era marginal para um desporto milionário. Os surfistas de topo têm contratos milionários, recebem mais do que alguns jogadores de futebol.


 


Em Portugal dá para viver do surf?


Dá para viver muito bem. Tal como um clube de futebol vai buscar um miúdo onde tiver de ser, também as marcas nos vão buscar a nós se formos bons e tivermos resultados. Vive-se bem em Portugal se tivermos contratos internacionais.


 


Sente-se, de alguma forma, o pai do surf português?


Não gosto do termo pai porque faz-me sentir velho... (risos)


 


Mas sendo o Tiago a figura mais imediatamente associada ao surf em Portugal...


[Sou] o padrinho, talvez. Acho que construí uma história interessante e sobretudo abri portas para o surf em Portugal na alta competição. Fiz com que muita gente passasse a acreditar que é possível chegar ao mais alto nível.


 


Onde gosta mais de surfar?


Adoro as ondas ali na zona da Ericeira, onde cresci a surfar. Principalmente agora no Inverno, quando ficam com mais força. Também gosto muito de Marrocos. E não podemos ignorar o Pacífico e o Índico, com águas quentes e arquipélagos onde há ondas perfeitas. Mas há ondas boas no mundo inteiro, é preciso apanhar o dia certo.


 


A Nazaré tem ganho visibilidade com as ondas gigantes.


A maneira como a ondulação é catapultada para aquela praia é realmente um fenómeno. Eu já lá tinha feito


tow-in

(surfar puxado por uma moto de água) antes do Garrett McNamara, com amigos da Ericeira. Mas nunca para bater recordes, só para apanhar ondas grandes. Claro que o Garrett trouxe muita coisa boa, desde logo a visibilidade. Mas não se pode olhar só para a Nazaré. Sítios como Peniche e Ericeira fizeram muito pelo surf em Portugal. Claro que aquilo [na Nazaré] é um espectáculo importante, mas passa-se uma ou duas vezes por ano. 


Acha que pode potenciar Portugal como destino de surf à escala mundial?


Já é, mas a Nazaré não tem matéria-prima para ser um destino de surf. A Nazaré é para ir de vez em quando, quando aquilo está bom, porque é um sítio muito pequeno, tem duas ou três praias. Não podemos comparar com Peniche ou a Ericeira, onde há surf o ano inteiro. A Nazaré é um fenómeno, quando as ondulações são grandes e tem o vento certo, porque proporciona montanhas de água imensas e um espectáculo à parte.


 


Nunca se sentiu atraído pela luta dos recordes do mundo?


Estando no circuito profissional de surf não tenho tempo para isso. Posso imaginar-me daqui a uns anos, quando parar de competir, a fazer algo do género. Mas nunca para bater recordes. É muito interessante surfar ondas que são praticamente insurfáveis a remar [com os braços]. Não me vejo a bater recordes do mundo, mas sim a procurar uma adrenalina quase doentia.


 


E onde fica aí a fronteira entre o que se pode e não pode arriscar?


No mundo do surf quase ninguém conhece os seus limites. Se fizermos coisas alucinantes e quase inconscientes temos reconhecimento, somos falados e conseguimos fechar contratos. É contraditório: estamos a gerar uma maneira de viver arriscando a vida. É preciso ir fazendo as coisas, mas com discernimento. Temos de ser um bocado inconscientes, mas prepararmo-nos da melhor maneira. Não há muito mais a fazer.


 


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