Os clubes e os seus sócios ou simpatizantes

1. Estabelece o artigo 172.º do Regulamento Disciplinar das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), como princípio geral no domínio das infracções dos espectadores, que os clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial.

Este princípio geral irradia para todo um conjunto de infracções disciplinares, tais como, entre outras, agressões físicas a elementos da equipa de ar­bitragem, agentes de autoridade em serviço, delegados e observadores da Liga, di­rigentes, jogadores e treinadores e demais agentes desportivos, invasões e distúrbios colectivos com reflexo grave no jogo, agressões graves a espectadores e outros intervenientes, arremesso perigoso de objectos com reflexo no jogo ou arremesso perigoso de objectos com reflexo no jogo.

2. Esta responsabilidade disciplinar do clube não é exclusiva da LPFP, nem do futebol nacional. A responsabilidade dos clubes, neste específico domínio, isto é pelas acções de adeptos ou simpatizantes, individual ou colectivamente cometidas, percorre todas as modalidades, a nível nacional e internacional.

Vale isto por dizer que nos encontramos perante um princípio disciplinar da ordem desportiva.

3. Quando confrontado com a aplicação de uma medida disciplinar a um clube por via de comportamento de um ou de vários dos seus adeptos, sócios ou simpatizantes, medida essa que pode ir de uma simples multa até à interdição do recinto de jogo ou à realização de jogo à porta fechada, surge no adepto comum (não envolvido nesses actos) uma sensação de perplexidade e mesmo de incompreensão.

Faz sentido que um clube seja sancionado por um acto praticado por um seu adepto? Com que fundamento, desde logo se o clube não o pode evitar, controlando todo e cada um dos seus adeptos e simpatizantes, colectivamente organizados ou não? E como se sabe, se é mesmo um adepto do clube que está na origem de comportamento violento?

4. Estas e outras questões têm toda a razão de ser.

Entre outras aproximações possíveis que espaço não permite aprofundar, há uma que ganha alguma predominância. Referimo-nos à qualificação do tipo de responsabilidade em causa.

Por outras palavras, o clube é responsabilizado objectivamente, sem ter qualquer culpa ou, pelo contrário, o clube tem um comportamento culposo – por exemplo, um dever que não cumpre – que justifica a sanção?

5. A exigência de culpa em processos sancionatórios públicos é exigida desde logo pelo texto constitucional. Assim sendo, se concluirmos que estamos perante uma responsabilidade objectiva, as sanções aplicadas aos clubes por actos praticados pelos seus adeptos, sócios ou simpatizantes, serão inválidas.

Sendo verdade que tribunais superiores estrangeiros – em particular, francês e italianos – já invalidaram sanções disciplinares aplicadas aos clubes pro via de acções dos seus adeptos, precisamente porque visionaram uma responsabilidade objectiva nos regulamentos das ligas e, dessa forma, violarem as respectivas normas constitucionais, não menos certo é que o nosso Tribunal Constitucional já se pronunciou pela não inconstitucionalidade de normas, legais e regulamentares, do tipo das agora em causa e me ambiente desportivo. Sendo sempre possível, naturalmente, reabrir a discussão, tal facto não deixará de ser relevante para o caso nacional.

E não se esqueça que a lei endereça aos clubes, entre outros, o dever de incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados.

josemeirim@gmail.com

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