Dario e Carlitos, os filhos de Forte Apache

Carlos Tévez cresceu num bairro problemático nos arredores de Buenos Aires, mas conseguiu chegar longe. O seu melhor amigo, que diziam ser melhor que ele, suicidou-se aos 17 anos.

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Um mural de Carlos Tévez em Forte Apache DR

“Se não fosse o futebol, provavelmente teria morrido ou estava na prisão.” Esta frase, com mais ou menos variações, já foi dita ou pensada por centenas de futebolistas no mundo inteiro. Um deles foi Carlos Tévez, avançado da Juventus, internacional argentino, campeão olímpico e um dos mais populares jogadores do seu país. Carlitos nasceu e cresceu no Bairro Exército dos Andes, um complexo habitacional de pobreza e violência localizado nos arredores de Buenos Aires que também é conhecido como Forte Apache. Tévez sobreviveu a Forte Apache. Dario, seu amigo de infância, colega de escola e jogador igualmente talentoso, não.

Carlos Alberto Martinez (o Tévez só veio depois) e Dario Coronel eram os melhores amigos. Ambos nasceram em 1984, com poucos meses de diferença, jogavam na mesma equipa do bairro, o All Boys, mas eram adversários porque um queria marcar mais golos que o outro. Quem os viu jogar dizia que Dario era “muito melhor” que Carlitos. Mas essa rivalidade desaparecia fora do campo. Dos seis aos 12 anos foram inseparáveis. Depois, os caminhos começaram a ser diferentes.

Dario e Carlitos foram fazer testes ao Velez Sarsfield, equipa dos arredores de Buenos Aires e um “grande” do futebol argentino. Só um deles ficou, Dario, que ganhara entretanto a alcunha de Cabañas, por ser parecido com Roberto Cabañas, avançado paraguaio do Boca Juniors nos anos 1990. O sonho parecia concretizar-se mais depressa para Dario, mas essa foi a única coisa que lhe correu bem. A mãe e os irmãos mudaram-se para o Paraguai e ele ficou em Forte Apache à guarda de um padrasto ausente. A delinquência começou a ser um apelo demasiado forte para um pré-adolescente quase sozinho.

Entretanto, Carlitos tinha conseguido entrar nos escalões de formação do Boca Juniors e é aqui que ganha o nome Tévez – mudou de apelido para facilitar a transferência. Carlitos teve as mesmas tentações, mas resistiu e uma prova do seu carácter foi ter recusado nos seus anos de formação no Boca uma operação plástica para remover as cicatrizes no rosto e em parte do corpo, consequência de um acidente com água a escaldar. Talvez tivesse menos talento que Dário “Cabañas”, mas Carlos Tévez mantinha o seu sonho vivo e cumpria como um profissional.

A Dario, tinham de o ir buscar a Forte Apache, porque ele faltava constantemente aos treinos. Até ao momento em que desistiram dele. Ele já se tinha juntado a um bando de jovens criminosos conhecido como os “Backstreet Boys”, andava armado pela rua, traficava droga e fazia assaltos. Durante um desses assaltos, numa troca de tiros, matou um polícia e tornou-se num alvo das autoridades. Pouco tempo depois, esteve envolvido num outro assalto que não correu bem, foi perseguido pelas autoridades, sentiu-se encurralado e, temendo as consequências de ser capturado, encostou a própria arma a uma das têmporas e disparou.

Quando Dario Coronel se matou, Carlos Tévez já se tinha estreado pela primeira equipa do Boca Juniors e estava convocado para a selecção argentina de sub-17. Durante algum tempo todos os seus golos foram dedicados ao amigo que foi pelo caminho errado. “Eu vivia num sítio onde as drogas e a morte estavam por todo o lado. Nessas circunstâncias temos de crescer muito depressa”, contava Tévez numa entrevista recente à revista da FIFA, em que honra a memória do amigo, mas não as suas opções: “Ele era o meu melhor amigo, estávamos juntos 24 horas por dia. Tinha tudo para ter sucesso, mas escolheu outro caminho e é por isso que já não está entre nós. Não teve nada a ver com sorte. Ele escolheu a via mais fácil.”

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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