A ganância dos ganeses

Durante o jogo contra Portugal no Campeonato do Mundo, os jogadores ganeses tinham em sacos no balneário os maços de notas de prémio. Estado gastou 15 milhões de euros com preparação e ida ao Mundial. Refeições para adeptos terão resultado em fraude de quase 170 mil euros.

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Asamoah Gyan um dos jogadores ganeses que esteve no Mundial 2014 Jorge Silva/Reuters

Não se tratou de algo dito com leveza, foi mesmo assim que se passou. “A maioria dos jogadores tinha os seus 100 mil dólares nos sacos, no balneário [durante o jogo contra Portugal]”, revelou o agora ex-seleccionador ganês, James Kwesi Appiah. O Gana seria batido pela equipa nacional (2-1), culminando uma desapontante participação no Campeonato do Mundo: eliminado na fase de grupos com um empate e duas derrotas, quando em 2010, na África do Sul, tinha chegado aos quartos-de-final.

O fiasco não passou em claro no Gana e, com o regresso da equipa a casa, teve início uma comissão presidencial de inquérito. Há mais de um mês que decorrem as audições – alguns dos detalhes trazidos a público são chocantes, outros são ridículos. E outros são as duas coisas: a história do dinheiro enviado de avião para Brasília quase perde importância quando comparada com outros episódios que demonstram a forma como foi desbaratado o dinheiro dos contribuintes. A Federação Ganesa de Futebol e o ministério do desporto não reagiram bem à instauração do inquérito. “Não somos contrários a quaisquer investigações, mas estas devem ser feitas de acordo com as regras da FIFA”, frisava o secretário-geral da federação. Mas o juiz presidente da comissão, Senyo Dzamefe, garantiu desde o início que a tarefa seria levada até ao fim e que a comissão não cederia a “intimidações”. E assim começaram a desenterrar-se os podres da participação ganesa no Mundial 2014.

Alhaji Abdulai Yakubu, responsável do ministério da juventude e desporto declarou perante a comissão que o Gana gastou aproximadamente 19 milhões de dólares (15 milhões de euros) em todo o processo de preparação e disputa do Mundial, admitindo porém que esse valor podia ter sido mais reduzido. E revelou que não foram apenas os 23 jogadores a receber prémios monetários: no total foram 40 pessoas contempladas. Quando compareceu perante a comissão Dzamefe, o ex-ministro da juventude e desporto Elvis Afriyie Ankrah rompeu em lágrimas, penitenciando-se por algumas das opções tomadas.

James Kwesi Appiah, despedido no dia 12, falou à comissão admitindo que foi insultado por jogadores. Mas um dirigente da federação ganesa explicaria que o técnico foi dispensado por ser “desrespeitoso”.

Uma das revelações mais impressionantes da comissão Dzamefe foi que os cofres do estado ganês podem ter sido defraudados em mais de 15 mil dólares (11.800 euros) por dia, em despesas relacionadas com o serviço de refeições aos 612 adeptos que o próprio Estado levou ao Brasil. Tudo somado, mais de 215 mil dólares (169.500 euros). O acordo com as empresas de catering previa o pagamento de 34 cedis (pouco mais de oito euros) por pessoa, mas o orçamento enviado ao governo estabelecia esse valor em 35 dólares (27,5 euros)... E também viria a saber-se que foi paga uma comissão de quase 20 mil dólares (15.700 euros) a uma agência brasileira que se limitou a dar indicações para um supermercado onde poderiam ser adquiridos os ingredientes para confeccionar as refeições.

O coordenador de projectos do Mundial no Gana, Fred Darko, confessou ter atribuído à sua própria empresa um contrato para a organização de áreas de convívio por todo o país, para os adeptos assistirem ao torneio. Houve ainda acusações de nepotismo na escolha das empresas que fizeram o transporte para o Brasil dos adeptos seleccionados. E o director executivo da empresa nacional de petróleo do Gana mostrou-se chocado perante a comissão por a federação ter recebido pagamentos da empresa para a realização de jogos particulares pelos quais já tinha sido paga pelos promotores. A participação ganesa no Mundial pode ter sido um fiasco, mas houve muita gente a sair contente.

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