Lee, o futebolista-escritor, abateu a sua paixão
Mais uma história do futebolista que nos ensina, passo a passo, como se escreve um artigo, que já está a escrever um livro e que, de vez em quando, nas horas vagas, marca golos ao Borussia Dortmund.
No ano passado, falámos no PÚBLICO sobre Lee Jae-sung, médio sul-coreano que se presta a escritos. Num blogue, exibe-se como escritor e pensador, reflectindo sobre a carreira de futebolista, mas também sobre a vida, a infância, relações interpessoais e até sobre como seria ser escritor. “Chega a ser filosófico”, escrevemos por aqui, num texto que se focou na relação de Lee com Paulo Bento, ex-seleccionador da Coreia.
Neste sábado, é relevante falarmos novamente de Lee, mas noutro prisma. O futebolista-escritor, uma raridade pela forma como pensa sobre a vida e foge aos subterfúgios banais que infecta a globalidade dos futebolistas, marcou dois golos no triunfo (3-0) do Mainz frente ao Borussia Dortmund. Estamos a falar de uma equipa “enterrada” na luta pela permanência (apenas dois pontos acima e pode descer na última jornada) a vencer o finalista da Liga dos Campeões. Isto já seria notícia por si só. Mas Lee, ao marcar ao Dortmund, e logo em dose dupla, obriga-nos a ler algo interessante que já chegou a escrever.
Primeiro, porque marcou cinco golos em pouco mais de um mês, algo muito incomum para alguém pouco dado à arte do golo. No ano passado, dissertou sobre um que marcou. “Sinto-me feliz e nervoso. Parecia que a bola estava a vir na minha direcção e dizendo: “Ei, chuta-me!”. Tive a experiência incrível de uma bola a voar por onde eu queria. Fiquei completamente intoxicado pelo charme do golo. Quão feliz fica um jogador que marca um golo todos os dias?”. Para Lee, o golo é raro. E ele parece ter encontrado, no último mês, o encanto que já tinha descoberto há uns tempos.
Os adeptos que o impressionaram
Depois, há outro pormenor importante. Marcar ao Dortmund é, para Lee, marcar perante adeptos de uma estirpe diferente de todas as outras. Aquilo que Lee já escreveu sobre os fãs do Dortmund é mais do que admiração: roça o amor.
"Há uma aura assustadora que as pessoas que não estiveram lá [Signal Iduna Park] nunca conhecerão. Como era o último jogo da temporada, imaginem o quão mais quente era o ambiente (...) os adeptos do Dortmund reuniram-se no estádio em clima festivo horas antes do início do jogo. Ondas amarelas dentro e fora do estádio. Quando entrámos no estádio para o aquecimento, uma mistura de vaias e gritos ecoou da bancada. Eu não pude deixar de ficar assoberbado. Os que não conseguiram bilhete ficaram do lado de fora do estádio”, escreveu, sobre um jogo em particular frente ao Borussia.
E detalhou: “O apito inicial soou. Algo estranho aconteceu. Nós, que nessa fase estávamos a jogar desconectados e incapazes de nos concentrarmos durante os treinos, de repente unimo-nos. Ironicamente, foi graças aos adeptos do Dortmund que lotaram o estádio".
Nesse dia, os jogadores do Mainz jogaram como não estavam a jogar, pararam o Dortmund e impediram a “parede amarela” do Signal Iduna Park de celebrar o título, que caiu para o Bayern nessa última jornada.
Neste sábado, mesmo que sem consequências graves para o Borussia, o Mainz voltou a parar esta equipa na recta final da temporada, num resultado muito importante.
O Mainz aprendeu a parar o Dortmund e dificilmente haverá uma equipa a quem Lee Jae-sung mais queira marcar golos – e, no caso deste coreano, o golo é algo pessoalmente intenso, mas raro. Ver Lee marcar golos já é uma história e vê-lo marcar ao Borussia ainda mais.
Já prepara um livro
Como trivialidade final, fica uma lição extra-futebol de Lee Jae-sung, importante apenas para os leitores curiosos sobre como se faz um texto. Lee, o futebolista, sabe explicar.
“Primeiro, decida sobre um tema. Se teve uma experiência especial recentemente ou um incidente que se tornou um problema, por exemplo. Eu escolho alguns temas e decido por meio de uma conversa com o meu editor. Em segundo lugar, o editor prepara perguntas adequadas ao tema. Terceiro, com base na pergunta, organizo os meus pensamentos por escrito".
"Quarto, depois de o editor rever a minha redacção, verifica as partes que precisam de ser complementadas, devolve-me e reorganizo o artigo. Quinto, faço a revisão final da redacção já organizada. Por fim, encontro uma foto que corresponde ao artigo e coloco no blogue. Só depois de experimentar isto é que percebi que o tempo e o esforço investidos na escrita de um texto são maiores do que eu imaginava”.
A lição do colunista Lee, que diz que já está a preparar um livro.